A
o completar agora os primeiros três meses de governo, o prefeito de Campinas, Dário Saadi (Republicanos), vem enfrentando a fase mais aguda da pandemia do coronavírus, com aumento significativo no número de contaminações; agravamento da doença – especialmente entre os jovens – UTIs lotadas e restrições ainda mais severas à atividade econômica. E fez uma espécie de desabafo. “As pessoas se cansaram das restrições e de todas as limitações que a pandemia vem impondo”, disse ele em entrevista exclusiva ao Hora Campinas.
“Os profissionais de saúde estão cansados; aqueles setores da economia que muitas vezes são proibidos de trabalhar também estão cansados, com problemas financeiros; enfim, todo mundo cansou. O único que não cansou foi o vírus”, disse ele. Apesar de medidas severas como Toque de Recolher a partir das 20h, o índice de isolamento social em Campinas foi baixo. Em seu melhor momento, no domingo passado, ficou na casa dos 48%, mas durante a semana oscilou entre 38% e 42%. O mínimo desejável pelas autoridades é de 55%. Dário afirma que ainda não é possível prever quando a cidade estará imunizada. Para prever isso, diz, é preciso saber a quantidade de vacina a ser disponibilizada e isso ninguém consegue dizer neste momento. Para ele, a condução do Ministério da Saúde em relação a aquisição de vacina, foi “inadequada”.
Veja os principais trechos da entrevista do prefeito de Campinas, Dário Saadi.
Hora Campinas (HC) – Num balanço dos três primeiros meses, o Sr. acha que está mais difícil do que havia imaginado?
Dário – Olha, está mais difícil por causa da pandemia. A pandemia drena não só os recursos financeiros, mas a energia; a agenda. Todas as prioridades do governo continuam sendo tocadas, mas a pandemia se sobrepõe, pelo quadro dramático que o município tem vivido.
HC – O Sr. acha que a intensidade com que ela se apresentou agora surpreendeu?
Dário – Acho que ela surpreendeu o mundo, né? A intensidade com que se deu a segunda onda surpreendeu o mundo todo, tanto que países europeus têm batido recordes de mortes; números jamais vistos na primeira onda. Campinas não fugiu à regra. Nós notamos essa pandemia com um grau maior de transmissibilidade – o vírus se transmite muito mais – e também uma agressividade maior, inclusive com um aumento no percentual de pessoas com menos de 60 anos, que estão sendo internadas e indo a óbito.
HC – As administrações municipais estão tendo dificuldades não apenas em contratar novos leitos, mas também montar equipes de saúde para atendimento nas UTIs, por exemplo. Em que estágio está este problema em Campinas e como o Sr. pretende enfrentar isso?
Dário – Nós temos ampliado os leitos numa velocidade até grande, dentro da complexidade que é a sistemática de ampliação de leitos – tanto de leito de enfermaria como leito de UTI. Um leito de UTI, dependendo do paciente, exige de 7 a 10 funcionários por leito – pois se trata de um equipamento que funciona 24h, com atenção intensiva. Nós estamos trabalhando, com empenho e determinação, na tentativa de atender ao aumento na demanda, provavelmente por conta da circulação dessa cepa mais agressiva e infecciosa do vírus.
HC – Mas em termos práticos, o que é possível se fazer para contratar novas equipes, porque a sensação é que não há mais pessoal a ser contratado?
Dário – Tem, mas não é na rapidez que gostaríamos. As ampliações têm acontecido. Quando eu assumi a Prefeitura, nós estávamos com 70 leitos de UTI e hoje dobramos esse número. Isso é fundamental para dar atendimento à cidade, mas não é uma ampliação fácil. Outro fator importante é que a pandemia no ano passado tinha um apelo muito maior junto à sociedade do que tem hoje.
“O que nós sentimos é que a população está super cansada.”
As pessoas se cansaram das restrições e de todas as limitações que a pandemia vem impondo. Os profissionais de saúde estão cansados; aqueles setores da economia que muitas vezes são proibidos de trabalhar também estão cansados, com problemas financeiros, enfim, todo mundo cansou. O único que não cansou foi o vírus.
Então vivemos uma situação diferente da do ano passado. Não existe mais a comoção que a pandemia provocava. O ano passado o governo federal mandou mais recursos. O governo do Estado, por sua vez, colocou mais leitos em Campinas. Este ano não estamos tendo nem o apoio do governo do Estado na quantidade de leitos que tinha e nem o apoio financeiro do governo federal. (No início da 2ª quinzena de março o Estado se movimentou. Converteu 10 leitos de UTI geral em Covid e abriu 18 novos leitos de enfermaria. No início desta semana, o SUS Municipal contava com 149 leitos e o Estadual com 40).
HC – Como está o orçamento para o combate à pandemia? Quanto se tem, quanto precisa e quanto se espera que venha de fora?
Dário – Nós temos os valores previstos no orçamento da Saúde e contando com repasses do governo do Estado. No começo deste ano, o governo estadual encaminhou R$ 12,5 milhões, há pouco dias encaminhou mais R$ 3,5 milhões, então, estamos recebendo. Mas o grosso, tem saído dos cofres municipais. Certamente esse dinheiro que está sendo gasto com a pandemia, grande parte dele, seria gasto no atendimento a outros gastos da Saúde. No entanto, estão sendo drenados para a pandemia.
HC – Quanto se gastou até agora?
Dário – É difícil falar agora. Nós temos um orçamento destinado à área de Saúde (R$ 1,3 bilhão) e estamos gastando mês a mês a quantidade do orçamento (orçamento total de Campinas para este ano é de cerca de R$ 6,4 bilhões). Então, não dá pra destacar somente o que vai para a pandemia. Por exemplo. Um centro de Saúde que atende Covid, atende também doença geral. No Mário Gatti (hospital municipal) tem a parte Covid, e tem a parte não Covid. No Ouro Verde (hospital municipal) tem 50 leitos de UTI Covid, mas também tem leitos não Covid. E o dinheiro sai do mesmo lugar.
HC – O Sr. declarou recentemente que sentia falta no Estado de uma política coordenada de combate à pandemia. Quais são os pontos que o Sr. considera mais vulneráveis na estratégia de enfrentamento da doença ?
Dário – (Sente falta de coordenação) No governo estadual e no governo federal. O governo federal nunca assumiu a coordenação da política de distanciamento social da pandemia. O governo do Estado assumiu isso até o começo de fevereiro, quando tinha uma posição de coordenação muito importante. Nos últimos dias, porém, o governo do Estado me parece que deixou de lado essa coordenação e deixou a cargo dos municípios. E esse é um problema. Depois, com a decretação da fase vermelha pra todo o Estado a partir do dia 6, o Estado parece ter retomado um pouco essa coordenação. É importante ressaltar a participação do governo do Estado no convênio do Butantan para a produção da vacina da Coronavac e dizer que no ano passado o governo do Estado fez uma coordenação. Nos últimos dias (início de março) é que na minha opinião, o Estado deixou de coordenar num momento agudo da pandemia. Além disso, o governo federal não definiu uma política nacional de distanciamento social.
“Numa cidade como Campinas, por exemplo, eu não posso tomar medidas que possam atingir Sumaré, onde uma rua divide uma cidade da outra; o mesmo acontece com Hortolândia, Valinhos, e outras cidades próximas.”
HC – Mas ainda persiste o problema com relação à ampliação do número de leitos do SUS Estadual. Isso não mudou.
Dário – Não mudou. Até o presente momento (final da primeira semana de março), estamos com quase 150 leitos no município e o estado tem 30. No auge da pandemia, no ano passado, o município tinha 150 e o estado 93. A gente pode lembrar do AME (Ambulatório Médico de Especialistas) que no ano passado teve um papel importante na pandemia e que hoje está fechado. (No final de março, o governo do Estado anunciou a abertura de mais 20 leitos na rede SUS em Campinas.)
HC – O Sr, acha que existe a falta de interlocução com o governo. O caminho está travado em algum ponto, na sua opinião?
Dário – Não. Não há caminhos travados. Tenho interlocução com o pessoal da Saúde, com o secretário de Desenvolvimento Regional, com o vice-governador, que é secretário de governo, então, não ache que falte nenhum tipo de coordenação. Acho apenas que o Estado, por algum motivo, está com dificuldades de abrir os leitos aqui em Campinas.
HC – O Sr. já chegou a fazer alguma estimativa de quando a cidade estará imunizada? O Sr acha que até o final do ano?
Dário – Olha. Nós estamos com uma capacidade muito boa de vacinação. Agora, a nossa capacidade está adequada à quantidade de vacina que chegar. Se, por exemplo, nós tivermos 1 milhão de vacinas, podemos adotar a vacinação em todos os centros de saúde. Hoje nós temos centros de vacinação. Como está chegando vacina em pouca quantidade, não queremos misturar as pessoas nos centros de saúde que estão atendendo Covid. Por isso montamos os centros de vacinação.
Se a cidade receber um maior número de vacina, podemos ampliar isso para os centros de saúde. Tudo vai depender da quantidade de vacina que chegar. Hoje temos quatro Centros de Vacinação, mas podemos chegar até sete. Centros grandes. Mas se por um acaso chegar um lote muito maior de vacina, eu posso usar 67 postos, como se faz vacinação no dia a dia. A capacidade de vacinação de Campinas é muito grande
HC – Mas não é possível se fazer nenhum tipo de previsão?
Dário – Então me fala quantas vacinas vão chegar? Entendeu! Hoje a gente diz: olha chegou 9 mil. Aí, você faz a conta para saber o público prioritário; é tudo muito contado. É tudo a conta-gotas. E tem ainda a segunda dose. Então depende muito da quantidade. O quanto vier de vacina, a gente monta a estrutura para vacinar. Nos sete grande centros que temos hoje, eu acredito que tem capacidade para vacinar 7 mil pessoas por dia. Em 10 dias, 70 mil, em 20, teríamos 140 mil. A estrutura de saúde de Campinas é boa.
HC – O Sr. não acha que acabou sendo uma tragédia para o Brasil o fato de o País ter sido atingido por uma pandemia, com Jair Bolsonaro na condução, já que ele não estimulou medidas restritivas e nem mesmo apostou na vacina?
Dário – Na minha opinião, a condução do Ministério da Saúde em relação a aquisição de vacina foi inadequada. Porque, eu acredito que se tivesse sido feito desde início os contratos e compras, agora poderíamos ter tido mais vacinas disponibilizadas.