Um antigo relógio pode passar desapercebido por quem entra no número 73 da Rua Cel Alfredo Augusto do Nascimento, em Sousas, distrito de Campinas. No entanto, a disposição a um olhar mais atento ao artigo pendurado na parede e ao ambiente do espaço pode gerar a suspeita de que por trás daquelas garrafas e quitutes existe uma história.
E ela é contada e confirmada. Basta uma boa conversa com quem está na parte de dentro do balcão. “Aqui começou em 1949”, diz o proprietário João Paulo Peria.
Localizado na área central de Sousas e centro das atenções de uma clientela fiel, o lugar não poderia ter nome mais sugestivo. O Bar Central também é referência quando o assunto é tradição.
Neste 2024, são 75 anos de portas abertas de forma ininterrupta. E para celebrar, não poderia faltar a bebida que simboliza qualquer bar que se preze: boa cerveja. E personalizada.
Veja fotos (por Leandro Ferreira)
“Essa é uma receita exclusiva”, diz João Paulo ao exibir a garrafa com o rótulo do seu histórico estabelecimento. “Foi feita pela Toca da Mangava. O Alfeu é o engenheiro responsável”, explica, referindo-se à cervejaria de Sousas, que produz a bebida artesanalmente.
O lançamento da cerveja “Bar Central” aconteceu no último 21 de setembro.
“Nesse dia, meu pai completaria 82 anos”, justifica João Paulo, que fez questão de homenagear João Amadeu, que morreu em junho de 2015, não sem deixar um legado. “É com muita satisfação que dou continuidade no trabalho de meu pai, pois ele sempre atendeu a todos com muito carinho”, diz o filho de Amadeu, de 55 anos.
A mãe de João Paulo, dona Alice, de 81 anos, segue fiel ao termo “melhor idade”, assim como o bar que o avô dela, José Rover, inaugurou em 1949. “Ele vendeu tudo o que tinha, em Cosmópolis, para comprar o estabelecimento, que antes era uma mercearia”, conta dona Alice.
A atração no distrito, na época, eram as sessões no cinema Santo Antônio e Danúbio aos sábados à noite e, após os filmes, o ponto de encontro acontecia no Bar do Miolo, como era chamado o local, antes de se tornar Bar Central.
O ‘coscorão’
A popularização do espaço começou a partir de uma receita de dona Natalina, a avó de dona Alice, que fez sucesso entre e clientela na época. “Era o coscorão, aquele torresmo enorme, que dava muito trabalho para fazer”, lembra a mãe de João Paulo, ainda uma criança na época.
Ela conta que a avó ia buscar os “coros” de porco em Valinhos, sozinha, de ônibus. E o preparado era desafiador.
“Depois de salgado, o coro era colocado para secar no sol. Depois ia para o forno e, em seguida, era fritado.” Dona Alice ainda lembra que havia a necessidade de esticar o “coro” durante o processo de fritura, trabalho feito pela própria avó, “na raça”. “Imagine só isso, era um perigo, e ela nunca se queimou”, garante João Paulo.
Seu José e dona Natalina criaram quatro filhos, que deram continuidade à história do bar. “Em 1969, meu pai e meu tio, irmão da minha mãe, assumiram a direção junto com um sócio”, conta João Paulo para quem o “bastão” foi passado em meados de 2015. “No começo foi meio difícil, pois eu trabalhava com administração financeira e não tinha experiência com atendimento, mas os clientes entenderam e ajudaram muito”, conta.
Os atrativos
Receitas criadas nos anos de 1990, quando o pai de João Paulo ainda estava à frente do estabelecimento, seguem como atrativos do bar. “O churrasco especial é nosso forte”, conta o proprietário. “Vai contrafilé, muçarela, presunto, bacon, tomate, azeitona zapata, copa e gorgonzola”, entrega, acrescentando que as esfirras de carne aos sábados também fazem muito sucesso entre os clientes.
Esse preparo, no entanto, ele diz que está guardado “a sete chaves”. “O segredo é o tempero”, diz, entre risos.
O imóvel tem dois andares desde 1959 e hoje, na parte superior, funciona o restaurante, onde o tradicional PF (prato feito) garante a fidelidade da freguesia. “As opções são contrafilé, linguiça na chapa e frango grelhado, mas variamos os pratos em cada dia da semana”, explica. Carne de panela, dobradinha, virado à paulista, peixe e feijoada no Inverno às sextas-feiras estão entre as demais opções.
João Paulo ainda destaca a grande variedade de cervejas do Bar Central, que é assegurada pela produção artesanal da Toca da Mangava e Serra das Cabras. “Acredito que temos uns 20 tipos diferentes”, contabiliza, acrescentando que as marcas tradicionais também têm espaço na geladeira. E quando o assunto é bebida, a lembrança do pai se torna inevitável. “Dizem que ele fazia uma caipirinha dos deuses e que tinha até fila aqui para o consumo.”
A regra
Para quem quiser comer, beber e jogar conversa fora, as portas do Bar Central estão abertas todos os dias, de segunda à sexta-feira, entre 10h30 e 20h30, aos sábados, das 7h às 19h, e aos domingos, entre 7h e 16h.
No entanto, há uma regra a ser cumprida, da qual o proprietário não abre mão. “Aqui, sem camisa, não entra. E é assim até hoje”, lembra João Paulo, destacando que a tradição condiz com o espírito familiar do estabelecimento, que sobrevive e cresce graças ao empenho de quatro gerações.
“Tinha até uma plaquinha aqui que comunicava a regra, mas ela se deteriorou. Mas o pessoal já sabe. E quem não sabe já é avisado na porta”, garante.
Questionado sobre a quem caberá o papel de dar continuidade à história do bar no futuro, João Paulo prefere não pensar no assunto. “Ainda não sei, pois tenho apenas uma filha de 24 anos. Vamos ver.”