Por Eduardo Gregori, De Lisboa, Especial para o Hora Campinas
O que pode haver de comum entre um jovem na fase universitária e uma pessoa na terceira idade? Se pensarmos na relação que temos ou tivemos com nossos avós, talvez o primeiro sentimento que venha à cabeça seja o de amor incondicional.
A casa dos avós representa, de uma maneira geral, um lugar seguro e de acolhimento onde tudo ou quase tudo é permitido. Onde se está a salvo de comidas que as mães nos obrigam a comer, mas não gostamos e onde até mesmo o sabor das sobremesas parece mais doce.
É neste sentimento impregnado no inconsciente coletivo sobre os avós que pessoas da terceira idade têm desempenhado um papel fundamental para os estudantes universitários em Portugal.
A crise habitacional em que o país europeu está mergulhado vem tornando quase impossível para estudantes encontrarem lugar para viver durante o ano letivo.
Com quase 1/4 da população acima dos 60 anos de idade e, em sua maioria vivendo em lares ou sozinhos em suas casas, iniciativas de associações estudantis encontraram em vovós e vovôs uma forma de minimizar a solidão dos idosos e conseguir moradia para os jovens.
Na cidade do Porto, a Federação Acadêmica do Porto (FAP) em parceria com a Prefeitura desenvolveu o programa Aconchego, com aluguel acessível para estudantes. Para participar do programa, idosos disponibilizam suas casas a universitários que têm como contrapartida comprometerem-se em melhorar a qualidade de vida do seu anfitrião. Durante parte do dia em que não está na universidade, a presença do estudante contribui para que o idoso não se sinta tão sozinho.
Em Coimbra, onde fica uma das universidades mais antigas e importantes do mundo, a Associação Académica de Coimbra (AAC) uniu-se com a Associação Cozinhas Económicas Rainha Santa Isabel (ACERSI) no projeto Abraço de Gerações. Assim como no Porto, os estudantes que precisam de alojamento durante o ano letivo têm como alternativa o projeto, que consiste em que os idosos, em troca de companhia, oferecem alojamento.
Em Coimbra quem vive em lares para idosos também pode se beneficiar desta iniciativa. O lar sob gestão da ACERSI oferece moradia para estudantes dispostos a viver com o idoso, além de dedicar parte do seu tempo livre como companhia.
Uma crise sem precedentes
Portugal vive um momento perfeito para quem deseja imigrar, pelo menos no papel. Prêmios consecutivos de melhor destino no mundo para se visitar, quarto país do mundo mais seguro e mais recente de residência automática para cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Se o leitor acha que estes são alguns dos atrativos do país europeu aos candidatos que pensam em cruzar o Atlântico, ainda tem mais.
Ao abrir as fronteiras para imigrantes, Portugal quer equilibrar o saldo natural de sua população, ou seja, igualar o número anual entre nascimentos e mortes.
O país tem enfrentado dificuldade nesta questão e há mais de uma década contabiliza um déficit de nascimentos. Um levantamento realizado em 2021 mostrou uma queda de 5,9% no número de nascimentos no território continental. Este número foi ainda maior na região Norte, atingindo os 7,6%. A Região Autônoma da Madeira registrou uma queda de 6,2%.
Além de viver uma certa urgência para resolver este desequilíbrio, Portugal já está perto de contabilizar 1/4 de sua população com mais de 60 anos de idade.
O censo realizado em 2021 mostrou que 23% dos portugueses já atingiram a terceira idade.
Apesar do cenário muito atraente para quem pensa em viver na Europa, quem vai ter mesmo que fazer contas para equalizar o orçamento é o imigrante. E essa conta fica cada dia mais distante de fechar. Com uma população longeva e a gigantesca pressão do mercado de turismo que tem convertido moradias para a população em hospedagens temporárias para visitantes e tudo isso aliado a uma falta de investimento e gestão do governo focado na criação de novas habitações, deixaram as grandes cidades portuguesas sem ter o que oferecer para quem procura moradia.
As regiões metropolitanas de Lisboa e Porto já estão saturadas e, no mesmo caminho, seguem cidades no Norte como Braga, Aveiro e Coimbra e por todo o Algarve, no Sul do país. Com uma busca muito elevada e disponibilidade baixa impõe-se a lei da oferta e da procura que tem colocado os preços dos aluguéis em um patamar estratosférico.
Um quarto em Lisboa não nem saído por menos de 500 euros, mais de 2,9 mil reais. Quando é possível encontrar um apartamento de dois quartos e em uma região mais afastada, o preço em média do aluguel é de 1,2 mil euros, ou seja, mais de 6,7 mil reais.
A crise habitacional em Portugal chegou a um ponto em que o governo decidiu criar uma legislação que obriga aos proprietários de imóveis vazios a disponibilizá-los para alugar.
Estão fora deste escopo pessoas que emigraram de Portugal mas mantém uma residência no país e imóveis de férias.
Este é um problema que tem afetado não apenas a quem chega de outro país para tentar uma vida em Portugal. Os próprios portugueses correm cada dia mais risco de ficarem na rua, desde universitários em busca de alojamento durante os meses de aula, até famílias que precisam entregar a casa ao término de um contrato.
Eduardo Gregori é jornalista de Campinas e vive há 5 anos em Portugal