“A gente está trabalhando há 38 anos em escombros. E estamos no limite”. O desabafo é de Verônica Fabrini, aluna da primeira turma de artes cênicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professora do Instituto de Artes (IA) desde 1991. Junto a demais professores, alunos e funcionários do departamento reivindicam há décadas um espaço digno para trabalhar e ensinar.
A situação do Paviartes, também conhecido como barracão de Artes Cênicas, apresenta péssimas condições de trabalho. Os improvisos que foram feitos ao longo dos anos não suprem desconfortos como o calor e estrutura inadequada para as aulas, dizem os docentes. A primeira reforma no espaço foi feita em 2011.
Em 2018, no entanto, teve início o projeto de reforma e construção de um novo Paviartes ao lado do prédio atual. O primeiro contrato foi assinado em 2021, mas por inoperância da empresa vencedora da licitação a reforma foi suspensa um ano depois.
Uma nova empresa assumiu os trabalhos, em 2023, mas ela também não teria cumprido prazos e o contrato foi cancelado. Agora, a universidade afirma que a licitação está prevista para ser publicada em abril próximo.
“Nós artistas da cena não somos bobos da corte. Nó produzimos conhecimento e exigimos o mínimo de dignidade para exercer a nossa profissão. O tempo inteiro parece que estamos pedindo pelo amor de Deus”, relata Verônica.
Atualmente, funcionam no Paviartes os cursos de artes cênicas e dança, e cada um possui uma média de 30 estudantes por turmas. Ambos os cursos têm duração média de quatro anos.
“Na cênicas, produzimos uma média de sete espetáculos por ano, mas mal temos onde apresentar, ou seja, o ‘coração’ da nossa formação, o contato com o público, fica descompassado”, lamenta.
Para o professor Eduardo Okamoto, a situação do Departamento de Artes Cênicas, hoje, é a radicalização de um “longo processo de descaso”, com falta de docentes, funcionários e infraestrutura, e que culmina na falta de salas de aula. “Estamos no último limite”, expõe Okamoto.
A cobrança do departamento é para uma rápida atitude da administração da universidade no enfrentamento de uma grave crise, que, na sua opinião, se caracteriza em “negligência com os atuais estudantes e com potenciais estudantes”.
O professor destaca que está aprovada em todas as instâncias da universidade a criação de uma Licenciatura em Teatro. Segundo ele, resultado de um longo processo que envolveu a reformulação do projeto pedagógico do Bacharelado em Artes Cênicas, a articulação de currículos e negociação de vagas de concurso.
“A criação deste curso significaria a criação de uma nova modalidade, noturna, com adicional de 25 vagas por ano no vestibular. Ou seja, dobraríamos o número de ingressantes, com enorme impacto regional. Apenas não conseguimos implementar imediatamente isto pois falta sala de aula”, explica o docente.
OBRAS NO PAVIARTE
O projeto de revitalização dos pavilhões do Instituto de Artes (IA) prevê manutenção e reforma do prédio no Pavilhão 1, além da reconstrução de um dos pavilhões já demolido e a área central de interligação entre eles. O espaço abrigará eventos, cerimônias e intervenções artísticas, segundo a Unicamp.
“Os recursos orçamentários para a conclusão da obra estão garantidos e empenhados desde o primeiro contrato, inclusive contemplando as atualizações de preços da construção civil para o projeto, que são realizadas a cada nova licitação”, informou a universidade ao Hora Campinas.
A licitação está prevista para ser publicada no mês de abril próximo, com as adequações legais exigidas pela nova lei de licitações. O custo estimado da obra é de R$ 16,7 milhões e a execução deve durar 14 meses.
Segundo a Unicamp, a execução da obra possui um cronograma que primeiro completa o pavilhão demolido, para depois seguir para as demais etapas, “no intuito de haver o menor impacto possível dos espaços em uso/disponíveis”.
TEATRO
Já as obras do teatro da Unicamp, iniciadas em junho de 2011 e paralisada em 2015, apresentou falhas de execução encontradas durante uma fiscalização pela equipe de Coordenadoria de Projetos e Obras da universidade.
De 2015 até 2022, enquanto ainda não havia perspectivas de recursos para o término da obra, a Unicamp informou que foram priorizadas “soluções estruturais para o prédio”, como o reforço da estrutura, a colocação de um sistema de drenagem e a obra de cobertura.
“Com a melhora nos investimentos de infraestrutura, em 2023 os projetos complementares do Teatro foram retomados, e estão em fase de desenvolvimento com as empresas contratadas”, justificou em nota.
Os projetos preveem o término do prédio considerando as instalações elétricas, hidráulicas, de climatização, acabamentos, urbanização do entorno, cenotecnia, acústica e áudio e vídeo, sendo que a execução da obra poderá ser contratada a partir da conclusão destes projetos.
ALTERNATIVAS
A “busca imediata (junto à Diretoria do Instituto de Artes), de 4 novas salas de aula e ensaios provisórios nas condições especificadas” está dentre os compromissos assumidos pela Unicamp durante a greve, que durou duas semanas de outubro do ano passado.
Além disso, ficou acordado sobre adequação das salas existentes, para ampliar os espaços de uso provisório no primeiro semestre letivo de 2024.
“A universidade ofereceu o espaço da Inova (Agência de Inovação da Unicamp) foi uma alternativa sugerida posteriormente pelos órgãos da universidade. Existem, contudo, algumas dificuldades para o uso efetivo, que estão no momento tentando ser solucionada”, justificou a Unicamp.
Segundo a nota, foram disponibilizadas salas na Casa do Lago e Comvest, com ampliação do horário de uso para período noturno das salas do prédio da Engenharia Básica.
“Reforçamos que a universidade continua a realizar trabalho contínuo de busca de novos e melhores espaços e, mais do que isso, tem se reunido periodicamente com estudantes, professores e direção do IA para fazer o acompanhamento das buscas. Continuamos a apostar no trabalho coletivo e colaborativo que temos feito até aqui”, finalizou.
CURSOS DE ARTES
A Unicamp reforçou que os cursos das Artes integram o núcleo fundamental da missão e do projeto que fez a universidade ser prestigiada e reconhecida nacional e internacionalmente.
“O ensino, a extensão e a produção de conhecimento aqui realizados apenas ganharam esse reconhecimento pelos esforços conjuntos de todas as áreas e unidades, de seus professores, estudantes e funcionários”, divulgou,
Além dos recursos direcionados às obras do Paviartes, a Unicamp afirma que o Edital Alegra 2022, da Pró-Reitoria de Graduação, dedicado a revitalização de espaços e laboratórios para a graduação concedeu R$ 166.660,00 ao IA.
A unidade, contudo, teria feito uso de R$ 94.925,25. “O Edital Alegra 2024 encontra-se aberto e contamos com as propostas da unidade para, novamente, oferecer os recursos necessários para a melhoria das atividades de ensino”.
ENQUANTO ISSO
Mas enquanto a burocracia e os trâmites internos seguem a passos de tartaruga, a comunidade das Artes Cênicas da Unicamp segue desolada. Alunos, ex-estudantes, professores e docentes que já passaram por lá avaliam o cenário como “aviltante” e reforçam que a Unicamp não deu a atenção devida ao curso. “A Unicamp vende o peixe de ser a melhor universidade da América Latina, mas temos nos perguntado qual o lugar das Artes Cênicas nesse cenário da instituição”, finaliza uma jornalista que acompanha o imbróglio há muito tempo e que tem amigos e amigas na universidade.