“Todos os chefes começam dizendo que só querem a paz, a paz, a paz – só falam em paz. Não querem a guerra. E o povo, está claro, também não quer a guerra, porque na guerra quem morre e paga o pato é o povo.”
“As mães não querem a guerra porque perdem seus filhos. As irmãs não a querem porque perdem os irmãos. As noivas não a querem porque perdem os noivos. Ninguém, absolutamente ninguém, quer a guerra – mas a guerra vem”.
“Como vem? – Vem por si mesma. Começa. Estoura. Rebenta. Lá um belo dia a gente abre o jornal da manhã e lê numas letras desse tamanho. REBENTOU A GUERRA…”
“E logo depois está o mundo inteiro dentro da guerra, com os aviões a derramarem bombas do céu e com a matança embaixo feita cientificamente, por meio de maravilhosas máquinas de matar, criadas pelos maiores gênios do mundo moderno”.
“E depois da matança?”
“Quando se cansam de matar, e os navios estão todos no fundo dos oceanos, e as cidades são montanhas de cacaria, e só se ouve o choro dos milhões e milhões de mães e irmãs e noivas e esposas, e já não há casas onde o povo morar, e nem há pão para o povo comer, e a miséria fica o horror dos horrores, então a guerra para… vem a paz”.
“E sabe o que é a paz no mundo moderno, Lúcio? Apenas um descansinho para o desfecho de nova guerra…
A obra
Esse é um trecho da obra “Os doze trabalhos de Hércules”, do aclamado escritor Monteiro Lobato, e que encanta gerações de adultos e crianças. O livro foi escrito nos anos 40, no contexto da Segunda Guerra Mundial. Ele amarra a fascinante mitologia grega com a realidade, sempre colocando um olhar peculiar. Monteiro Lobato é mais conhecido popularmente pela “Turma do Sítio do Picapau Amarelo”, um clássico da literatura infantojuvenil brasileira.
Mas há outras obras e textos do autor que seguem atuais, como esse trecho que se extrai do livro “Os doze trabalhos de Hércules”. Parece que foi escrito sob a luz da Guerra na Ucrânia. Ou da Guerra da Chechênia, ou do Iraque ou do Afeganistão ou do Vietnã…
Na trama, que é uma coleção do autor em Quadinhos, de responsabilidade da Globo Livros, Pedrinho, Emília e o Visconde de Sabugosa recorrem ao pó de pirlimpimpim para recuar mais de 2 mil anos no tempo, a fim de ajudar Hércules na primeira de sua dúzia de missões impossíveis.
E assim, uma a uma, as tarefas do semideus vão sendo cumpridas com o apoio “intelectual” dos personagens do Sítio, uma vez que o herói grego tem força e valentia, mas carece de alguma esperteza, descreve a sinopse da editora.
A biografia de Lobato (Fonte: Site Infoescola)
José Bento Monteiro Lobato nasceu em Taubaté, em 1882. Homem de grande diversidade e talento foi considerado gênio e pioneiro da literatura infanto-juvenil. Formou-se em advocacia por imposição do avô, o Visconde de Tremembé. Contudo, sua vocação era mesmo as artes: pintura, fotografia e o mundo das letras e, assim, os “melhores frutos da fazenda” de sua propriedade, foi o livro “Urupês” (1918). Esta obra apresenta o Jeca Tatu personagem parasitado por um “jardim zoológico”, sendo “papudo, feio, molenga, inerte”.
Estas publicações tiveram como propósito, apesar de serem contos infantis, ser um instrumento de luta contra o atraso cultural e a miséria do Brasil. Tornou-se editor da empresa “Companhia Gráfico-Editora Monteiro Lobato”, lançando as bases da indústria editorial no Brasil e dominou o mercado livreiro. Entretanto, sem apoio governamental aliado à crise energética a editora veio à falência.
Monteiro Lobato muda-se para o Rio de Janeiro e prossegue em sua carreira de escritor, criando o Sítio do Pica Pau Amarelo, que o celebrizou.
Em 1920 lança “A Narizinho Arrebitado”, leitura adotada nas escolas. Traz para a infância um rico universo de folclore, cultura popular e muita fantasia. Publica “Reinações de Narizinho” (1931), “Caçadas de Pedrinho” (1933) e “O Pica-pau Amarelo” (1939). Os “Trabalhos de Hércules” concluem uma saga de 39 histórias e quase um milhão de exemplares vendidos. Suas obras foram traduzidas para diversos idiomas, como francês, italiano, inglês, alemão, espanhol, japonês e árabe.
Lobato concorreu em 1926 a uma vaga na Academia Brasileira de Letras, não foi escolhido.
Recentemente, surge uma polêmica sobre preconceito racial quando seu livro “O Presidente Negro” (1926), descreve um conflito racial, após a eleição de um negro para a presidência dos EUA e, também a personagem negra, Tia Nastácia, comparada a uma macaca ao subir numa árvore.
Em 1927, reside por 4 anos nos Estados Unidos em missão diplomática, como adido comercial e pôde constatar a lentidão do desenvolvimento brasileiro mediante o gigantesco progresso americano. De regresso para o Brasil inaugura várias empresas de ferro e petróleo para fazer perfuração, no intuito de desenvolver o País, economicamente.
Escreveu dois livros “Ferro” (1931) e “O Escândalo do Petróleo” (1936), neste documenta os enfrentamentos na busca de uma indústria petrolífera independente. A política do governo de Getúlio Vargas era “não perfurar e não deixar que se perfure” proibiu e recolheu os exemplares disponíveis. Por contrariar interesses de multinacionais foi preso em 1941, no Presídio Tiradentes, onde ficou por 6 meses. Saiu da prisão, mas continuou perseguido pela ditadura do Estado Novo.
Lobato ainda foi perseguido pela Igreja Católica quando o padre Sales Brasil denunciou o livro “História do Mundo Para as Crianças” como sendo o “comunismo para crianças”. Em 1947 escreve a história de “Zé Brasil”, panfleto que percorreu o Brasil de Norte a Sul, acusando o presidente Dutra de implantar no Brasil uma nova ditadura: o “Estado Novíssimo”.
Monteiro Lobato concedeu uma entrevista à Rádio Record no dia 2 de julho de 1948, dois dias antes de morrer, pobre, doente e desgostoso, aos 66 anos de idade.
Como ativista político e na contramão dos interesses dominantes, encerrou a entrevista com a frase “O Petróleo é nosso”! Frase mais do que nunca repetida no Brasil. Foi um personagem brasileiro tão ilustre e importante o cortejo de seu velório foi acompanhado por 10 mil pessoas, entoando o Hino Nacional.