Má formação de feto, sinais de envelhecimento, boca deformada, membros amputados. Há quem considere as imagens estampadas nas embalagens de cigarro exageradas. Mas, aos que pensam assim, vítimas de dramas relacionados ao tabagismo dão um conselho: não queiram ver para crer. O Dia Nacional de Combate ao Fumo, celebrado nesta segunda-feira (29), é uma possibilidade de alerta. Médicos, ex-fumantes e até mesmo fumantes, que tentam abandonar o vício e não conseguem, se mobilizam em torno do tema.
A dona de casa Josephina Pedroso, de 73 anos, é uma das que não deixam passar a oportunidade de contar sua experiência. Há cerca de 25 anos, o drama de uma vizinha a fez tomar uma decisão: parar de fumar.
“Eu sempre a via com cigarro entre os dedos”, lembra. “Mas um dia ela passou muito mal, pediu ajuda e meu genro a levou às pressas para o hospital.” A vizinha, conta Josephina, chegou a voltar para casa, mas sua rotina mudou completamente em função de complicações nos pulmões. “Dava dó de ver o estado dela, debilitado. De 15 em 15 dias, a ambulância a levava para o hospital. Não passou muito tempo, ela morreu”, lembra com tristeza a dona de casa, acrescentando ainda que os conselhos do jornalista Boris Casoy também contribuíram para sua mudança de hábito.
Boris era apresentador de telejornal no SBT e, quando tinha oportunidade, fazia campanha contra o tabagismo. “Foi difícil, mas me livrei do vício”, diz Josephina, aliviada.
Quem tenta parar de fumar, mas não consegue é uma outra vizinha de Josephina, Maria Benedetti, de 65 anos. Ela fuma, em média, dez cigarros por dia e tem uma tosse constante. Apesar de sentir o desejo de mudança de hábito, Maria nunca procurou ajuda. “Uma alternativa é o Programa Municipal de Controle do Tabagismo”, diz a coordenadora do programa da Secretaria Municipal da Saúde, Vivian Cristina Matias de Oliveira Nunes.
Terapias em grupo
O programa do Ministério da Saúde e que se estende aos municípios está em vigor em Campinas desde 2003. O objetivo, diz Vivian, é auxiliar fumantes a abandonar o vício por meio de terapias em grupo. “Os grupos contam com uma equipe multidisciplinar de profissionais especializados que prestam auxílio aos fumantes. Há palestras motivacionais para evitar recaídas, intervenções comportamentais e, se necessário, tratamento farmacológico, entre outras atividades”, explica.
As reuniões acontecem uma vez por semana e são realizadas em 31 dos 67 Centros de Saúde de Campinas (a lista das unidades credenciadas pode ser consultada no site da Prefeitura).
“Em média, há 1.000 atendimentos ao ano”, contabiliza Vivian. “Agora, com a retomada, após a pandemia, foram 250 pacientes atendidos nos últimos quatro meses.”
A coordenadora conta que as reuniões avaliativas realizadas com os profissionais dos grupos a cada 60 dias atestam a eficácia do programa. “São vários os casos de pessoas que conseguiram deixar o vício. E muitas dessas pessoas permanecem nos grupos para auxiliar outras. Elas se tornam multiplicadores de informação e esse é um dos objetivos.”
Neste domingo (28), a Pasta promoveu uma série de atividades relacionadas ao combate ao tabagismo das 9h às 12h no Centro de Referência à Saúde do Trabalhador (Cerest), próximo ao Hospital Mário Gatti. Aberto ao público, o evento teve como meta conscientizar a população sobre os danos à saúde e também sociais, políticos, econômicos e ambientais causados pelo tabaco.
O que dizem os especialistas
O Dia Nacional de Combate ao Fumo vem acompanhado do Agosto Branco, campanha que chama a atenção para o câncer de pulmão, cujo principal fator de risco é o tabagismo, dizem os especialistas.
“Existem mais de 4 mil substâncias tóxicas no cigarro, e cerca de 30% são potencialmente carcinogênicas. Na história da relação de causa e efeito, das agressões do meio externo no organismo que levam ao câncer, foi cientificamente confirmada a relação tabaco e câncer de pulmão como a principal delas já no início do século 20”, confirma o oncologista Gilmar Nepomuceno Araújo do Centro Oncologia Campinas (COC).
Araújo observa que os fumantes têm até 60 vezes mais riscos de apresentar câncer no pulmão em comparação aos não tabagistas. “A taxa de mortalidade do câncer de pulmão é altíssima e sabemos quem é o principal culpado.”
Entre os homens, no Brasil, o câncer de próstata vem em primeiro lugar em incidência, seguido pelo colorretal e de pulmão. Porém, o câncer de pulmão é o que tem maior taxa de letalidade. No grupo de mulheres, o câncer de pulmão é o terceiro em incidência (atrás de mama e colorretal), mas o segundo em mortalidade – perde para o câncer de mama.
E câncer de pulmão não é a única doença provocada pelo tabaco, alertam especialistas do Vera Cruz Hospital. O consumo do cigarro pode causar mais de 50 enfermidades diferentes, entre elas cardiovasculares, no sistema circulatório, infecções respiratórias crônicas, impotência sexual, infertilidade e vários tipos de cânceres.
Cigarro eletrônico
Dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA) trazem outro alerta: os dispositivos eletrônicos não são seguros e possuem substâncias tóxicas além da nicotina. Enfisema pulmonar e dermatite são as doenças provocadas pelo dispositivo, somadas às já conhecidas causadas pelo cigarro convencional.
O médico pneumologista Ronaldo Macedo, do Vera Cruz, alerta sobre o uso de dispositivos eletrônicos que surgiram no mercado como uma alternativa ao cigarro convencional ou até mesmo como uma forma de ajudar a parar de fumar. “O cigarro eletrônico é vendido como se fosse menos prejudicial à saúde, e isso é uma grande mentira. Além da nicotina, ele está associado a diversas outras substâncias, como etileno, glicol e essências doces ou mentoladas. Quando o líquido é aquecido por um reator, ele forma o vapor, em vez de formar fumaça. E, ao ser aquecido diversas vezes, se transforma em outras substâncias que são tóxicas para o organismo, potencialmente cancerígenas”, esclarece.
Mesmo proibido no Brasil, o dispositivo ganha cada vez mais adeptos e preocupa a comunidade médica. O aparelho virou moda entre os jovens por ser colorido e soltar um vapor chamativo. Seu sabor e cheiro agradáveis camuflam a nicotina. “Existe uma nova doença pulmonar que está associada ao uso de produtos de cigarro eletrônico ou vaping, a Evali: uma lesão pulmonar aguda provocada por algumas substâncias do cigarro eletrônico que ainda são investigadas. Nos Estados Unidos, inclusive, houve uma epidemia dessa doença”, conta o pneumologista.
Hoje, o tabagismo é a principal causa de morte evitável no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A estimativa é de que um terço da população mundial adulta seja fumante.
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