A Comissão de Ética da Câmara de Campinas deverá apurar a apresentação com cenas de sexo explícito realizada em uma praça de Barão Geraldo, com recursos de emenda parlamentar da vereadora Paolla Miguel (PT). Após repercussão do evento do último domingo (14), a Secretaria de Cultura de Campinas publicou nesta terça-feira (16) portaria 03/2024 que determina a adoção da ‘Classificação Indicativa’ para todas as atividades culturais realizadas ou apoiadas pela pasta e iniciou processo de apuração administrativa.
As medidas ocorrem dois dias depois da realização da festa chamada “Bicuda”, que, dentre as atrações, levou cenas de nudez, sexo oral e linguajar inapropriado para a praça Durval Pattaro, no centro do Distrito.
Durante sessão ordinária da Câmara de Campinas realizada nessa segunda-feira (15), Paolla argumentou que o apoio dado ao evento foi somente estrutural, mas que não tinha conhecimento sobre o teor das apresentações.
“Nem o nosso mandato e nem a Secretaria de Cultura participaram da curadoria das apresentações. Então nós não sabíamos do conteúdo que seria apresentado”, justificou a vereadora em tribuna.
No entanto, nas redes sociais da festa, a programação que incluía o show com o grupo que protagonizou cenas de sexo foi divulgada com antecedência pelos organizadores, e nos comentários, Paolla escreveu: “Estaremos lá”.
Em nota, a Secretaria de Cultura também justificou que não havia sido informada previamente pela produção do evento.
“O produtor foi notificado para defesa prévia em processo de apuração administrativa do fato. A responsabilidade pela exibição de cenas de nudez é do promotor, que não está sujeito à censura prévia, mas que responde pelos seus atos”, divulgou a pasta.
A portaria publicada segue os princípios da Constituição Federal e normas do Estatuto da Criança e do Adolescente, que regulamenta a ‘Classificação Indicativa’ com base em três critérios: violência, drogas, sexo e nudez.
“A classificação indicativa tem natureza pedagógica e informativa, capaz de garantir às pessoas e às famílias o conhecimento prévio para escolher diversões e espetáculos públicos adequados à formação de seus filhos, tutelados ou curatelados”, detalha o artigo 2º.
Com a Classificação Indicativa não permitida para menores de 18 anos, o evento não poderá ser realizado em espaço público aberto, por exemplo, uma praça.
Críticas
Vereadores se alternaram na tribuna na sessão desta segunda-feira para criticar a postura da colega Paolla Miguel, em relação ao evento.
A vereadora Débora Palermo (PL), uma das primeiras a se pronunciar, considerou como “nojenta” a festa do último domingo (14). “Uma vergonha que foi apresentada com emenda da vereadora Paolla. Quero saber o que o conselho tutelar vai fazer, e o que essa Casa vai fazer”.
Já o vereador Paulo Gaspar (Novo) avaliou como “tremenda irresponsabilidade” e “um tapa na cara do cidadão campineiro” o evento em praça pública. Gaspar prometeu apurar responsabilidades.
“Vou protocolar uma representação na Corregedoria da Câmara Municipal de Campinas para apurar, junto ao conselho de ética, a responsabilidade da vereadora Paolla Miguel, referente ao ‘Show de Horrores’ ocorrido em Barão Geraldo”.
Na sequência, o vereador Higor Diego (Republicanos), presidente da Comissão de Cultura da Câmara, também se prontificou em acionar a Secretaria de Cultura para “entender qual o crivo” pela qual passa esses eventos financiados pela pasta.
“Temos que ter mais mecanismos para que a Cultura traga mais segurança para essa Casa, pois são (eventos) de emenda de vereador, e isso mancha os demais”, disse. Segundo ele, cerca de R$ 14 milhões em emendas dos vereadores serão destinadas à Cultura esse ano.
NOTA DA VEREADORA PAOLLA MIGUEL
“Nosso #MandatoMovimento realizou o apoio ao evento Bicuda do domingo (14/04), na praça Durval Pattaro, em Barão Geraldo, por meio da destinação de uma parte da estrutura física que atendeu a população que desejou comparecer ao evento, como banheiros químicos, apoio logístico e montagem de palco. Evento que já estava organizado pelos seus produtores, que são responsáveis pela curadoria, contratação de artistas e pagamento de cachê. Nenhum ente público, nem nosso mandato, nem a Secretaria de Cultura, tiveram conhecimento prévio do conteúdo das apresentações.
Após o evento, chegou até nós que o conteúdo de algumas músicas e a apresentação de uma das artistas teria sido alvo de críticas de parte da comunidade local. Críticas que são naturais de uma sociedade diversa e democrática, que serão notificadas aos produtores pela Secretaria de Cultura para que tenham ciência do ocorrido, possam explicar o que aconteceu e avaliar suas futuras apresentações.
A Bicuda é um evento reconhecido pela juventude da nossa cidade, que já aconteceu inúmeras outras vezes em espaços públicos de Campinas, como a Estação Cultura e o Largo do Rosário, abrindo espaço para artistas jovens, pretos, pessoas trans, com origens em comunidades pobres e que retratam na sua música suas vivências cotidianas.
Reafirmamos nosso compromisso com a cultura popular e com a democratização da cultura. Apoiamos iniciativas de valorização da Cultura que passam pelos mais diferentes segmentos, como a cultura preta, o samba, o hip-hop, o teatro, a preservação histórica do acervo audiovisual da nossa cidade, entre muitas outras iniciativas. Respeitamos as vozes dissidentes e continuaremos dialogando com todos os setores da sociedade. Contudo, não vamos nos calar sobre a tentativa de criminalizar a cultura periférica e a comunidade LGBT, eventos públicos que reúnem a juventude, a juventude preta e periférica da nossa cidade. Eventos absolutamente pacíficos, sem ocorrências, que prezam pela ocupação dos espaços públicos com responsabilidade e segurança”.