Neste 18 de outubro comemoramos o Dia do Médico. Sou médico formado em 1975, portanto da “velha guarda” e com quase 47 anos de profissão. Muita coisa mudou desde então. A faculdade onde me formei, a FCM Unicamp, não é mais a mesma. De uma escola centrada no ensino de graduação onde a convivência diária entre alunos e professores no prédio secular da Santa Casa com enfermarias imensas com mais de 30 pacientes “indigentes” ali sendo tratados (com a criação do SUS isto, felizmente, não existe mais), se transformou em um enorme complexo onde o ensino ocorre em todos os níveis (graduação, pós-graduação latu e strictu senso), a pesquisa se desenvolveu colocando a Universidade como protagonista mundial nas ciências da vida e o ensino de extensão coloca milhares de alunos todos os anos para reciclar e especializar em nossas grandes instalações no campus.
A medicina também não é mais a mesma. De uma atuação muito mais “artesanal” de então com parcos, precários e limitados recursos laboratoriais e de imagem para diagnóstico e poucos recursos terapêuticos seja por disponibilidade de fármacos, tradicionais ou inovadores, ou novos procedimentos, se transformou em uma área altamente especializada, aparelhada, com crescentes métodos diagnósticos e terapêuticos difícil de acompanhar.
Todos os anos são cerca de dois milhões de publicações nas ciências da vida. A tecnologia avançou de maneira impressionante. Todos podem imaginar como é difícil seguir minimamente esta evolução, separando o “joio do trigo”, e incorporando o que é realmente válido. Para tal, é necessário maturidade profissional e científica, cooperação e muitas discussões.
O médico, creio eu, deve estudar praticamente, todos os dias para tentar acompanhar e manter atualização de seu trabalho.
Certamente, temos que ter muito cuidado com a “toxicidade informativa” sabendo exatamente o que é válido e o que talvez jamais seja realmente avanço. Devemos evitar os modismos e aguardar dados maduros cientificamente estabelecidos para mudarmos ou ampliarmos nossa prática assistencial.
Neste Dia do Médico de 2021 não podemos esquecer da importância de nosso trabalho no enfrentamento da pandemia do SarsCov2 e de tudo o que fizemos no tratamento da Covid-9. Nenhum de nós esquecerá esta crise sanitária que assolou o mundo e mudou de maneira dramática as nossas vidas.
Temos que exaltar todos os profissionais de saúde que deram demonstração inequívoca de compromisso profissional, ético e social durante a pandemia.
Os médicos dedicaram suas vidas a este trabalho, aterrorizante e desconhecido. Nossa geração e muitas outras que se seguiram a nossa, jamais imaginaram viver o que vivemos. Em todos os seguimentos trabalhamos, nos expusemos, sabendo que nosso juramento profissional seria colocado à prova de maneira inédita e intensa.
Como gestor de saúde, constatei este compromisso em vários episódios. Em muitos momentos quis retirar colegas médicos de sua prática diária ou transferi-los para um trabalho onde pudessem estar mais protegidos ou mesmo afastá-los do trabalho. E, muitas vezes, a resposta era, “quero manter meu trabalho na linha de frente assistencial”.
Todos os médicos e profissionais de saúde, independentemente da idade, tipo de vinculação aos sistemas de saúde ou especialidade, deram extraordinária contribuição. Nunca vi tamanha solidariedade, cooperação, complementariedade entre as instituições de saúde, universidades, associações médicas, especialistas etc. lutando e apontando soluções. Todos olhando para o mesmo lado e com os mesmos objetivos. Ao contrário de grande seguimento da sociedade que era orientada de maneira contundente ao distanciamento social e com isto evitar a transmissão viral, os profissionais de saúde ficaram em seus postos de trabalho. Ao contrário, suas presenças e atuações foram, muitas vezes, multiplicadas pela intensidade e carência de profissionais devido à dimensão da pandemia.
A sensação, como já descrevi em outros momentos, era de uma avalanche, um tsumani, que caia sobre nós.
Tínhamos a sensação de que não sobreviveríamos e não teríamos força para enfrentar e vencer aquele inimigo invisível e poderoso. Apenas a força do trabalho, da solidariedade e da ciência trabalhando intensamente para ter as informações adequadas e as vacinas em um horizonte curto de tempo, é que atenuavam a desesperança e a visão de que teríamos um futuro melhor.
Não podemos esquecer de nossos colegas que perderam suas vidas neste enfrentamento. São nossos heróis e jamais serão esquecidos. Infelizmente, foram vítimas do seu trabalho e de seu compromisso com a sociedade e devem ser lembrados e homenageados por todos nós e para sempre.
18 de outubro – Dia do Médico. Que pena não podermos ainda nos encontrar, nos abraçar, nos confraternizar como no passado.
Mas temos a sensação de que estamos cumprindo o nosso dever e que a sociedade pode, hoje, ter a exata dimensão do valor de nosso trabalho e da ciência voltada ao bem-estar e saúde de nossa população. Como professor de medicina desde 1979 na Unicamp, quero aqui deixar minhas homenagens, respeito e admiração aos meus colegas de todas as gerações. Vocês são grandes e serão sempre um porto seguro para a nossa sociedade. Que no próximo ano possamos estar juntos!
Carmino Antonio de Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020