O relógio marcava quase 35 minutos do primeiro tempo quando o Guarani abriu 2 a 0 no Dérbi 174, disputado no dia 28 de outubro de 2002, no estádio Brinco de Ouro, mesmo palco do histórico Dérbi 200, que acontece neste sábado (19), às 18h30. Desiludida com a possibilidade de reverter o resultado, a ilustre torcedora pontepretana Maria Luiza Volta, popularmente conhecida como Tia Luiza, decidiu fazer uma promessa: se a Ponte Preta conseguisse a virada e vencesse a partida, ela nunca mais fumaria cigarro.
Defendendo um enorme e inédito tabu de 15 anos e cinco meses sem perder para o maior rival, o Bugre havia construído a confortável vantagem graças a um golaço de falta do atacante Sérgio Alves e outro belo gol marcado pelo meia João Paulo, driblando o goleiro Alexandre Negri. No entanto, ainda na etapa inicial, a Macaca protagonizou uma incrível reação, buscando o empate em menos de cinco minutos, primeiro com cabeceio do zagueiro Marinho no ângulo e depois em oportunismo do atacante Lucas, que aproveitou rebote do goleiro Edervan. A esperança tomou conta dos torcedores presentes na arquibancada visitante. As preces de Tia Luiza pareciam estar sendo atendidas.
Na etapa final, o atacante Basílio marcou o gol da épica virada pontepretana e o lateral-esquerdo Elivélton fechou o caixão bugrino, em cobrança de pênalti, decretando o placar final de 4 a 2 que quebrou o maior jejum da história do Dérbi. Na ocasião, a Ponte Preta era comandada pelo técnico Oswaldo Alvarez, o Vadão, que jamais perdeu um Dérbi em sua carreira.
Mulher de palavra, Tia Luiza cumpriu a promessa que havia feito em circunstâncias adversas durante o jogo e hoje, aos 72 anos, está há quase vinte sem colocar um cigarro na boca. “Eu costumava fumar bastante, principalmente durante os jogos. Naquele dia, eu ainda tinha um maço com quatro cigarros, mas perguntei se alguém queria ficar e então entreguei. Desse dia em diante, nunca mais acendi um cigarro. Além da Ponte ganhar, ainda fez um bem à minha saúde”, afirma Tia Luiza.
“Esse foi o Dérbi que mais marcou a minha vida, foi sensacional. Eu estava sentada bem na divisão da torcida da Ponte com as sociais do Guarani, meu lugar era sempre ali. O mais gostoso foi assistir ao Piá dançando valsa depois do jogo para tirar sarro. Foi a coisa mais emocionante que eu já vi”, descreve Tia Luiza, que frequenta estádios desde os cinco anos de idade e garante ter assistido por volta de 100 Dérbis nas arquibancadas.
O memorável Dérbi de outubro de 2002, que colocou fim ao incômodo jejum alvinegro de 15 anos, também é o clássico inesquecível do jornalista e escritor pontepretano Stephan Campineiro, de 43 anos. “Aquela foi a primeira vez que assisti a uma vitória da Ponte no clássico dentro do estádio. Além disso, a atmosfera que envolveu a partida foi muito marcante, pois foi o jogo que fechou a rodada do Campeonato Brasileiro, em uma segunda-feira à noite, um dia após a histórica eleição de Lula à presidência”, relembra Stephan. “Houve enorme confusão nas arquibancadas antes da partida, com feridos entre policiais e pontepretanos”, acrescenta.
Nascido em 1977, último ano em que a Ponte Preta conquistou uma dobradinha no Brinco de Ouro, com um esquadrão comandado pelo meia Dicá, Stephan Campineiro tinha apenas nove anos de idade quando a Macaca venceu o Guarani por 2 a 0 no campo bugrino em 1987, resultado que permaneceu como o único triunfo pontepretano no confronto até 2002, quando ele tinha 24 anos e já estava formado em Jornalismo, exercendo a profissão.
Quase exatamente um ano depois do Dérbi 174, a Ponte Preta voltou a fazer festa no Brinco de Ouro no dia 11 de outubro de 2003, ao vencer o Guarani por 3 a 1 no Dérbi 177, com direito a três gols do atacante argentino Darío Gigena, que comemorou vestindo máscara de gorila. “Realizei a cobertura desse jogo direto da vitalícia do Brinco. Como eu estava trabalhando, não podia me manifestar em meio aos bugrinos, então foi muito difícil controlar a emoção naquele dia”, relembra Stephan Campineiro.
Para completar a lista dos três Dérbis mais marcantes de sua vida, o jornalista destaca ainda a vitória por 1 a 0 no Dérbi 194, realizado no dia 11 de agosto de 2019, no Moisés Lucarelli. A vitória magra com gol do meia Matheus Vargas aconteceu num domingo em que se comemorava o aniversário de 119 anos do clube, além do Dia dos Pais.
“Foi algo muito especial porque foi a primeira vez que assisti a um Dérbi ao lado de minhas filhas, Sophia e Lívia, então com 11 e 8 anos, e ainda pudemos comemorar a vitória”, conta Stephan.
Anos 80
Outro torcedor-símbolo da Ponte Preta, Américo Zeferino Bissoto, mais conhecido como Totó, de 72 anos, aponta o Dérbi 145, disputado no dia 5 de agosto de 1981, no Majestoso, como o mais especial dentre cerca de 70 clássicos que já acompanhou in loco. Na ocasião, a Ponte venceu o Guarani por 3 a 2 naquele que é considerado um dos mais encantadores e importantes duelos entre as duas equipes, que possuíam verdadeiros esquadrões. “Foi um jogo lá e cá muito emocionante, com gol do Odirlei no fim. Fomos campeões do primeiro turno do Campeonato Paulista”, vibra o fanático pontepretano de 72 anos. Os outros gols da Ponte foram marcados por Osvaldo e Serginho, enquanto os tentos bugrinos foram anotados por Ângelo e Jorge Mendonça.
Além disso, Totó elege o Dérbi 150, vencido pela Macaca por 1 a 0, em 1983, como o seu jogo mais marcante dentro do Brinco de Ouro. “Com 30 segundos de jogo, o nosso lateral-direito Édson Abobrão deu uma cabeçada no Neto e o juiz Almir Ricci Peixoto Laguna o expulsou na hora, com toda razão. Ficamos com um a menos, mas pouco tempo depois o nosso beque central Osmar Guarnelli guardou 1 a 0. Ele veio correndo e subiu na muretinha do fosso para comemorar. Foi uma grande vibração da torcida numa tarde bastante chuvosa”, revive o dia 23 de outubro de 1983.
No fim de 2019, Totó foi um dos poucos pontepretanos presentes no Brinco de Ouro no último Dérbi ainda com a presença de torcedores, antes da chegada da pandemia de Covid-19.
O Dérbi 195, realizado no dia 9 de novembro de 2019, terminou empatado por 0 a 0. “Era torcida única, mas fui convidado pelo presidente Tiãozinho e estava junto com o Mineirinho, que é um torcedor da Ponte detestado pelos bugrinos. Faltando 20 minutos para começar o jogo, a polícia nos escoltou até o camarote dos visitantes. Entramos pelo campo, passamos em frente aos bancos de reservas e ouvimos tanto xingamento que até fiquei com dó da minha mãe lá no céu”, brinca Totó.