Um caso ocorrido em Campinas ganhou repercussão nacional e colocou em debate um exemplo evidente de discriminação e desrespeito às leis trabalhistas vigentes no País. O anunciante de uma vaga para governanta, além de não fazer o registro na Carteira de Trabalho, solicitava que a candidata tivesse sido imunizada contra a Covid-19 com o imunizante da Pfizer, entre outras exigências. Especialista ouvido pelo Hora Campinas aponta o anúncio como cruel e discriminatório. O Ministério Público do Trabalho (MPT) investiga o caso.
Além da candidata estar vacinada com o produto da Pfizer, o anunciante identificado apenas como “Ana Clara Residência”, exigia boa bagagem cultural, fácil acesso ao bairro Cambuí e registro como Microempreendedor Individual (MEI). A jornada de trabalho indicada era de segunda a sábado, com uma folga remunerada no mês ou férias de 15 dias, sem Carteira de Trabalho assinada e salário de R$ 1.600. A profissional teria de cuidar de duas crianças, da alimentação, agenda, e da limpeza da residência.
O assunto repercutiu fortemente nas redes sociais e teve destaque nacional em diversas publicações.
Na internet várias pessoas comentaram sobre o baixo salário, o não registro da Carteira de Trabalho e que a vaga se assemelha a um processo de escravidão moderna, com muitas exigências e poucos benefícios.
“O chicote tem lá ou tem que levar”, ironizou um usuário em uma rede social. “Será considerado diferencial levar as próprias correntes e açoite”, completou outro. “R$ 1.600? Para tantos requisitos? Só pode ser pobre plus, classe média que se acha elite”, opinou outra usuária. “Agora pegue os anúncios dos vendedores de escravos e escravas, vendidos para as funções domésticas e vejam as raízes da escravidão no País”, destacou mais um.
De acordo com a assessoria, o MPT recebeu a notícia envolvendo o anúncio para contratação de governanta em site especializado, na cidade de Campinas, tendo como critério a sua imunização por meio de vacina da fabricante Pfizer, entre outros fatos constantes do anúncio. “Considerando o conteúdo do referido anúncio, o MPT autuou uma Notícia de Fato (denúncia), que foi distribuída para uma procuradora ontem (23/06). Por ora a instituição não disponibilizará porta-voz à imprensa, haja vista o tempo necessário para a apuração dos fatos. O mesmo se aplica às possíveis medidas a serem adotadas no âmbito do procedimento”, informa o órgão.
Discriminação e ilegalidade
Para o consultor de Carreira Tadeu Ferreira, o anúncio é discriminatório. “Como profissional de RH vejo como uma atrocidade. O anúncio é cruel e discriminatório, e não só pela vacina, mas por outros pontos também. O que é essa frase boa bagagem cultural? É um julgamento que pode ser inclusive xenófobo. Essa pessoa pode não aceitar uma candidata nordestina, por exemplo, por achar que não tem boa bagagem”, explica.
“Além de discriminatório, o anúncio é pouco crítico. Solicitar a vacina, ainda mais de um fabricante específico, não tem legalidade no Brasil. Primeiro porque não estamos todos vacinados, depois porque não podemos escolher a vacina, não é um catálogo que a pessoa escolhe qual vacina vai tomar”, ressalta o profissional de RH.
Em toda sua carreira Ferreira disse que nunca viu um anúncio de vaga parecido. “Nunca vi tamanho absurdo ou discriminação em anúncio de vaga. É claro que a gente sabe que existem exigências ocultas em várias vagas, mas não colocam na descrição como nesse caso. Uma empresa séria tem cuidado ético”, finaliza.
A vaga foi anunciada no site Trabalha Brasil, mas após a repercussão, foi apagada. O Hora não conseguiu contato com o site, mas na seção de perguntas e respostas consta que os anúncios são gratuitos. “Nosso site atua como ponte entre a empresa e candidato através do envio do currículo. Porém, todo o processo seletivo e retornos sobre a situação da vaga são efetuados pela empresa”, apresenta trecho do site.
Para cadastrar uma vaga é preciso que o empregador preencha seus dados de pessoa física. “O cadastro é feito em nome do usuário anunciante, não sendo necessário informar o CNPJ para anunciar uma vaga. Não se preocupe, estes dados não serão divulgados para os candidatos”, informa o Trabalha Brasil.
Há ainda a possibilidade de anunciar a vaga de maneira confidencial. “Quando estiver anunciando sua vaga, terá a opção de divulgá-la de forma confidencial. Para isto, basta clicar em “confidencial” logo acima do nome da empresa no momento do cadastro. O número do seu telefone já está oculto automaticamente, se quiser mostrá-lo deverá escolher esta opção logo abaixo do referido campo”, completa.