O Governo do Estado determinou o retorno obrigatório dos alunos às unidades de ensino a partir do último dia 18. A Prefeitura de Campinas escolheu a data de 3 de novembro para essa obrigatoriedade. Até então, o ensino tem ocorrido de forma híbrida, com aulas presenciais e remotas, com presença opcional e sistema de rodízio nas escolas. A imposição do retorno divide opiniões. Algumas famílias não se sentem seguras, enquanto outras preferem o retorno. Especialistas apontam benefícios e possíveis problemas.
Ângela Soligo, doutora em Psicologia e Docente da pós-graduação em Educação da Unicamp, diz que o País tem 47% da população totalmente vacinada contra a Covid-19, e que no Estado de São Paulo são 61%. Índices bons, que segundo ela dão esperanças, mas estão longe de serem ainda os adequados para que haja segurança.
“Esse retorno causa preocupação porque nós não temos ainda 70% da população totalmente vacinada e porque, de fato, nós não temos em todas as escolas do Estado e dos municípios as condições necessárias para um retorno com segurança. Nem todas as escolas estarão aptas a manter o distanciamento necessário, para receber todas as crianças. Já estão recebendo de forma parcial, estão recebendo em dias alternados e já se observam dificuldades com as condições da sala de aula, com equipe para limpeza. Há uma série de pré-condições para que este retorno seja realmente seguro”, aponta a educadora.
A educadora Ângela Soligo: “É preciso pensar se é realmente este o momento deste retorno pleno às atividades” – Foto: DivulgaçãoEla afirma que a escola é muito importante, que a convivência escolar é fundamental e aprendizagem com a professora e o professor presencialmente é absolutamente necessário.
“Mas nós estamos nos encaminhando para o final de outubro, portanto, próximos do final do ano letivo. É preciso pensar se é realmente este o momento deste retorno pleno às atividades ou se este seria um momento de, sim com retorno parcial, fazer um bom diagnóstico das aprendizagens que aconteceram durante a pandemia, das possibilidades a partir do próximo ano, para fazer um bom planejamento e um bom retorno”, pontua.
Ângela diz que preciso pensar que no contexto da pandemia, a proteção à vida é essencial e que preocupa o retorno de 100% porque na prática não há garantia plena desta proteção.
“Vamos ter crianças e jovens em risco. Não adianta a gente virar as costas para essa realidade. Estarão em um risco menor do que estariam a um ano atrás, não tenho dúvida. Porque hoje temos um percentual maior vacinado, mas estarão em risco”, avalia.
A pesquisadora diz que não é verdade que os professores e professoras não querem voltar. “Querem voltar, mas como são pessoas comprometidas com a segurança e a proteção, não só de si mesmos, mas de suas alunas e seus alunos, eles querem essa volta como condições de segurança e essas condições não estão plenamente garantidas”, garante. “Vamos pensar agora no que é mais adequado para este momento, sabendo que todos queremos essa volta, mas todos queremos essa volta com condições estruturais, condições de recursos humanos, condições de transporte adequado para que todos e todas estejam na escola se sentindo protegidos, e que as famílias possam também sentir segurança sobre esta proteção”, defende.
Luciane de Sousa Pires, psicóloga, pedagoga e orientadora educacional, avalia que já é hora desse retorno, principalmente pela forma como o isolamento afeta as trocas sociais. “Sou a favor porque, como psicóloga e pedagoga, presencio todos os dias, aumento no índice de prejuízo cognitivo e de socialização, principalmente em crianças e jovens”, diz.
A especialista diz que o retorno vai melhorar o desenvolvimento emocional. “Percebo, tanto na escola como no consultório, como o desempenho acadêmico e o desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais estão prejudicados. O retorno às aulas auxiliará em vários aspectos as dificuldades enfrentadas no dia a dia das famílias, em relação aos aspectos comportamentais e de desenvolvimento, tanto do público infantil quanto adolescente”, explica.
“Com o avançar da vacinação e com os registros que já temos de uma geração que está no limbo de muitas formas de se relacionar, entendo que é chegada a hora de retomar essa nova realidade que traz em si um convite aos cuidados que devem ser mantidos, mas também, a retomada das trocas sociais tão necessários ao pleno desenvolvimento”, avalia.
Ela lembra que a manutenção dos cuidados, como o distanciamento social e as medidas já anunciadas para evitar a proliferação do vírus, são condições essenciais para o retorno 100% presencial.
“Vejo como benefícios o restabelecimento das condições de troca social, de afeto e, acima de tudo a elevação no desenvolvimento acadêmico, tendo em vista que são os espaços escolares e os espaços sociais, os maiores responsáveis pelo alavancar do desenvolvimento socioemocional de todos”, finaliza Luciane.
Sindicato questiona medida
Na última semana, o Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Municipal de Campinas (STMC) solicitou ao Ministério Público do Trabalho (MPT) da 15ª Região uma audiência com urgência para discutir com a Prefeitura de Campinas a obrigatoriedade de todos os alunos retornarem às aulas presenciais nas escolas.
O Sindicato reforça que é contra as aulas presenciais nas escolas, enquanto o coronavírus ainda causa mortes. A entidade conseguiu barrar diversas vezes o retorno presencial, mas em abril deste ano as escolas foram reabertas. Em um trabalho conjunto com o MPT, que vem desde o começo da pandemia em 2020, foi imposto um limite de alunos nas escolas e rodízio de estudantes, mantendo um sistema híbrido com aulas presenciais e remotas.
O Sindicato diz que vistoriou mais de 200 escolas e creches municipais neste ano e que foi comprovado que muitas unidades não têm condições estruturais para receber todos os estudantes mantendo o distanciamento social necessário e atendendo todos os protocolos sanitários.
“Muitas escolas não têm estrutura para atender o distanciamento social. Somos contra esse retorno. A pandemia continua fazendo vítimas. Além disso, estamos a apenas dois meses de encerrar o ano letivo. Temos que discutir muito antes de uma volta total dos alunos”, diz Claudia Bueno, coordenadora do Sindicato.
FRASE
“Não tenho dúvida que se essa vacinação tivesse ocorrido desde o ano passado, da forma como deveria, hoje poderíamos ter retornado às atividades. Mas nós tivemos um atraso doloso, intencional, na vacinação isto provocou um período tão longo de atividades remotas, isso provocou a impossibilidade de voltarmos às atividades presenciais no começo do ano, quando gostaríamos de ter voltado, então é preciso também prestar atenção nisso”, Ângela Soligo, doutora em Psicologia e Docente da pós-graduação em Educação da Unicamp.