O Dia Mundial do Câncer é lembrado nesta sexta-feira (4) como uma forma de ressaltar a importância do diagnóstico precoce e do acesso universal aos tratamentos. O tema da campanha promovida pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca) é Somos Iguais e Diferentes como forma de ressaltar a importância da equidade no acesso aos cuidados.
Luzia Maria Pereira, de 68 anos, aposentada, moradora em Campinas, percebeu o surgimento de um nódulo no seio direito, em setembro de 2019, mas não deu a devida atenção.
“Eu cheguei a ir ao pronto-socorro do convênio da minha filha para tratar de outra questão. A médica percebeu e orientou a procurar um oncologista. Acabei não marcando porque as consultas desse convênio são lá em Sorocaba. Eu tenho dificuldade de locomoção e fica difícil ir até lá. Também pensei que era só uma glândula que estava aumentada e não dei importância. E logo depois veio a pandemia”, relata.
Por conta da dificuldade de locomoção causada por uma fratura na perna em 2015, a aposentada quase não saía de casa, aliado ao receio de se contaminar com o novo coronavírus, o cuidado com a saúde foi ficando para depois. Enquanto isso, a massa percebida no seio só aumentava.
Até que na campanha do Outubro Rosa, no ano passado, uma de suas filhas a levou até o caminhão da mamografia, que estava atendendo na Vila Padre Anchieta. Mas por não conseguir subir as escadas do ônibus foi orientada a procurar o Centro de Saúde da região. “Já me atenderam, pediram todos os exames, e quando saíram os resultados já me direcionaram para o Ambulatório Médico de Especialidades (AME), e foi feita a biópsia. Recebi o diagnóstico de câncer e já comecei a quimioterapia em dezembro do ano passado”, conta a aposentada.
“A médica me disse que se eu tivesse ido procurar atendimento antes, nem precisaria fazer a quimioterapia. Mas eu nunca tinha ido nem atrás de fazer mamografia. Se eu tivesse ido antes talvez não estivesse passando por essa situação “, avalia Luzia.
O relato da aposentada ilustra um alerta que os médicos oncologistas têm feito à exaustão: muitas pessoas têm descuidado de seus exames preventivos e até mesmo de controle do câncer. E quando chegam ao consultório já estão com alguma complicação ou estágio avançado da doença.
O oncologista e hematologista André Deeke Sasse, CEO do Grupo SOnHe, e professor de pós-graduação da Faculdade de Medicina da Unicamp, diz que os principais exames preventivos para o homem são os de próstata, e para as mulheres, os de mama.
“Muitas pessoas deixaram de fazer seus exames regulares de rastreamento por medo da Covid-19. Os homens que faziam o PSA (Antígeno Específico da Próstata) e toque retal, deixaram de fazer nos últimos dois anos. Mulheres deixaram de fazer mamografia. Vi um número razoável de gente que chegou em mim já com a doença avançada porque deixou de fazer exames”, afirma Sasse.
O médico conta que também teve pacientes que mesmo com a suspeita da doença tiveram atrasos nos exames por conta da pandemia. “Teve diminuição de acesso a exames. Muitas clínicas que faziam exames de imagem, endoscopia e, principalmente colonoscopia, pararam de fazer os exames porque precisa de sedativo, e houve falta de sedativos por causa da demanda das UTIs”, explica o oncologista.
Ele lembra que houve diminuição de diagnóstico de câncer nas estatísticas, mas que o número não é real, justamente por esses pontos apresentados.
“Vamos ter aumento de diagnósticos nesse ano. A gente viu desde outubro do ano passado aumento de casos. Estava havendo uma volta dos exames, pacientes e diagnósticos. Isso pode dar uma freada agora por cauda da variante Ômicron, até porque muitos médicos ficaram afastados por causa da Covid também”, avalia.
Um ponto positivo, segundo André Sasse, é que a ciência tem avançado rápido, com melhora na resolução dos exames de imagem e com maior confiabilidade na mamografia, por exemplo. Além disso, já há novos exames de sangue e respiratórios que ajudam a verificar proteínas que são secretadas por alguns tumores, e que talvez cheguem novos exames para a rotina.
“O tratamento cirúrgico tem ficado mais simples, rápido, e com menos risco de complicações. Especialmente com cirurgia robótica, pacientes com risco aumentado, como os idosos, a gente consegue fazer cirurgia curativa, quando antes não se podia fazer a cirurgia, era descartada. A gente consegue tratar pacientes sem quimioterapia agressiva, a imunoterapia é o exemplo maior. A gente faz o controle de doenças avançadas que passaram a ser vistas como crônicas”, diz Sasse.
Contudo, ele alerta ainda para a diferença que existe entre os pacientes do SUS e das redes particulares no acesso aos melhores tratamentos.
“Essa diferença só aumenta a cada mês, a cada semestre. Mais tecnologia são disponibilizadas no sistema privado. Não tem um programa público sistemático para tratamento e controle do câncer. Existem iniciativas isoladas. O governo de São Paulo iniciou um programa de início de tratamento de terapia alvo, já tem cerca de 10 anos e não mudou muito, não melhorou. É muito incipiente e não foi desenvolvida”, avalia.
Ainda de acordo com o especialista, nos últimos 15 anos apenas dois novos medicamentos foram incorporados aos SUS para tratamento de câncer de mama.
“É uma vitória, não deixa de ser. Mas para o câncer de rim metastático não tem tratamento eficaz no SUS. Para o melanoma metastático também não tem tratamento eficaz no SUS, mas no particular os pacientes já têm algumas boas opções”, salienta.
Segundo Juvenal A. Oliveira Filho, médico oncologista e diretor técnico responsável, da Clínica Oncocamp, lembra que os cânceres de maior prevalência nos homens, além do de próstata, é o de cólon e reto, e o de intestino, e depois o de pulmão. Já nas mulheres, além do de mama, estão o de cólon e reto, e o do colo do útero.
Mas quando se trata de mortalidade o ranking muda. “O câncer de pulmão nos homens é o grande campeão mundial da mortalidade, infelizmente ligado ao hábito de fumar. Na mulher ele chegou a ser o primeiro, mas hoje o câncer de mama ultrapassou o de pulmão, que é a segunda causa de mortalidade entre as mulheres”, diz o diretor da Oncocamp.
De acordo com Juvenal Filho, as estimativas de novos casos para este ano são alarmantes.
“Existe a estimativa para 2022 de que nós teremos ao redor de 630.000 casos novos de câncer, excluindo os casos de câncer de pele que são muito comuns, pele não melanoma, seriam ao redor de 450.000, e obviamente que a gente também tem que levar em conta o não registro, principalmente nessa fase da pandemia”, alerta Juvenal Filho.
Justamente por isso Inca realiza às 10h desta sexta-feira o debate on-line Somos Iguais e Diferentes: a Importância da Equidade no Controle do Câncer. O objetivo é alertar a sociedade de como a falta de equidade no acesso à prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento do câncer custa vidas.
A nova campanha abordará as barreiras que impedem as pessoas em todo o mundo de terem acesso aos cuidados fundamentais para o controle do câncer. O objetivo da campanha é mostrar a importância de termos um mundo com acesso a serviços de câncer melhores e mais justos para todos.
Segundo o INCA, renda, educação, local de moradia e discriminação (por etnia, gênero, orientação sexual, idade, deficiência e estilo de vida) são apenas alguns dos fatores que podem afetar negativamente o atendimento a pacientes do câncer.
O debate pretende auxiliar no reconhecimento de problemas e dificuldades na abordagem de certos grupos com condições ou necessidades especiais, como idosos, pessoas com deficiência física ou mental, autismo, além de especificidades culturais e étnicas. O debate será entre profissionais do Inca e transmitido pela TV INCA, às 10h. Para acompanhar o debate basta acessar o link: https://www.youtube.com/watch?v=K5A1-SP5rUM.
O Instituto ressalta que essas barreiras não são definitivas e podem ser alteradas.
“Por isso, 2022 será o ano em que a campanha questionará o status quo para ajudar a reduzir o estigma. Assim, podemos construir uma visão mais justa do futuro – um futuro no qual as pessoas sejam mais saudáveis e tenham melhor acesso a serviços de saúde e de controle do câncer, não importando onde nasçam, cresçam, envelheçam, trabalhem ou vivam”, finaliza o Inca.