Um grupo de vereadores, médicos e empresários ligados ao setor de medicamentos iniciou movimento para a implantação em Campinas do que decidiram chamar de “Acolhimento Precoce” – um novo nome para o “Tratamento Precoce”, defendido pelo presidente Jair Bolsonaro como uma possibilidade tratamento para pacientes com suspeita de infecção pelo Covid-19 e rechaçado por grande parte da comunidade científica. O modelo de atendimento foi levado ao prefeito Dário Saadi (Republicanos) numa reunião na última sexta-feira e um debate público foi marcado para amanhã (15) na Câmara para discutir o assunto.
“A questão do tratamento precoce não está em análise na secretaria de saúde”, diz Dário
O prefeito confirmou a reunião com o grupo e disse hoje (14) “que essa questão do tratamento precoce não está em análise na Secretaria de Saúde”. Disse, porém, que os vereadores pediram uma reunião de médicos que apoiam esse tipo de tratamento, com a equipe técnica da secretaria de Saúde. “Foi feito o pedido (do encontro) e estamos verificando a possibilidade de agenda”, afirmou Dário.
O vereador Marcelo Silva (PSD) – um dos líderes do movimento – diz que o “Acolhimento” é diferente do Tratamento Precoce, porque prevê não apenas a administração de medicamentos, mas um atendimento individualizado, a ser realizado num local específico a ser criado para isso.
O “Acolhimento”, no entanto, segundo ele, vai prever a possibilidade de administração de medicamentos como hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina, entre outros, que várias entidades médicas brasileiras e internacionais já confirmaram não terem eficácia para o tratamento da Covid-19.
Marcelo Silva diz que a nova fase da pandemia – com vírus mais agressivo e com maior poder de disseminação – requer mudanças nas formas de enfrentamento. A proposta é criar espaços públicos para atendimento a pacientes com suspeita de infecção – onde se pudesse fazer testes e exames e dar início ao tratamento. “Não quero que as pessoas cheguem ao posto de saúde com suspeita e voltem para casa depois de tomarem dipirona”, disse.
“Eu não quero prescrever nada. As pessoas vão fazer o tratamento se quiserem”, diz vereador
“Eu não quero prescrever nada. As pessoas vão se submeter ao tratamento se quiserem. O que eu quero, como homem público, é dar uma opção às pessoas”, afirmou. O vereador reagiu ao ser questionado sobre se não seria irresponsabilidade oferecer medicamento sem comprovação de eficácia às pessoas. “Irresponsável é não dar opção ao cidadão”, argumentou.
O vereador revelou ter a promessa de um empresário ligado a um laboratório farmacêutico, que estaria disposto a oferecer “uma boa quantidade de Nitazoxanida e também vitamina D para Campinas”, afirmou.
Kit Covid
“Acolhimento Precoce não é Kit Covid”, afirmou o imunologista Antonio Pinho, que integra o grupo defensor do modelo. “(O acolhimento) Começa com o diagnóstico correto dos casos suspeitos, com testes adequados e orientação de quarentena intra-domiciliar para os familiares não sintomáticos.
Infelizmente muitos pacientes não têm essa orientação básica e na impossibilidade de fazer isolamento domiciliar os seus familiares acabam se infectando”, afirma ele.
“Como essas novas variantes são mais infectantes e têm uma característica de sintomas diferentes do ano passado, muitos pacientes chegam com uma doença mais avançada”, argumenta. “Nesse caso, e associado aos exames complementares, pode ser o momento de usar corticoides e anticoagulantes, já que são a resposta imune exacerbada e a ativação da trombose da micro-circulação as principais causas que levam a insuficiência respiratória que marca os casos mais graves de Covid”, afirma.
Segundo o médico, existe a possibilidade de o “Acohimento” recomendar o uso de hidroxicloroquina, ivermectina ou azitromicina.
“As evidências de que drogas reposicionadas (como hidroxicloroquina, ivermectina e etc) podem diminuir os casos graves de Covid existem, inclusive através de meta-análise, que é o nível mais alto de evidência”, afirma ele. “A discordância de uma análise da outra caracteriza apenas uma opinião pessoal e não a verdade absoluta”, finaliza
Infectologista
A infectologista Raquel Silveira Bello Stuchi, médica da Faculdade de Medicina da Unicamp, fez um alerta à população. “Eu acho que esses médicos e empresários deveriam ouvir uma fala de um deputado ontem (13) no Parlamento na França, em que ele falou de tratamento precoce e foi motivo de risada em todo o plenário”, disse ela, numa referência ao primeiro-ministro da França, Jean Castex, que provocou risos entre os deputados, ao mencionar a recomendação dada por Jair Bolsonaro em 2020 sobre uso de hidroxicloroquina para tratar a Covid-19 no Brasil.
“Acho que essas pessoas deveriam se unir, mas para fomentar ações de orientação à população. Deveriam investir o dinheiro que estão dispostos a gastar para comprar máscaras e distribuir para as pessoas. Poderiam comprar oxímetros e investir em programas de orientação, alertando as pessoas para os sinais de gravidade da doença, para orientar sobre cuidados, coleta de exames, diagnósticos, protocolos de isolamento e dos contactantes”, acrescenta a especialista.
“Parece que nós estamos em março de 2020. Em março de 2020 esse tipo de discussão até foi muito justificável, mas um ano depois a gente se desgastar com esse tipo de discussão é inacreditável. Infelizmente”, finalizou ela.
Há exatamente um ano, a Unicamp emitiu um comunicado em que afirma não haver comprovação de eficácia nesse tipo de tratamento para pacientes com Covid.
Conselho Federal de Medicina
Para o presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Mauro Luiz de Britto Ribeiro, “é decisão do médico assistente realizar o tratamento que julgar adequado, desde que com a concordância do paciente infectado —elucidando que não existe benefício comprovado no tratamento farmacológico dessa doença e obtendo o consentimento livre e esclarecido.”