“O sucesso do ator Leonardo DiCaprio muda a rotina de uma cidade que nem tem cinema. Uma família inteira vive o sonho do parentesco distante e improvável com o galã de Hollywood”. O que veio logo em seguida dessa curiosa chamada do apresentador William Bonner foi uma das reportagens mais inusitadas e engraçadas de toda a história do Jornal Nacional, o tradicional telejornal noturno da TV Globo, considerado o principal noticiário televisivo em audiência e repercussão no Brasil, transmitido de segunda-feira a sábado em horário nobre.
Na pitoresca história talentosamente contada pelo jornalista Lucius de Mello, através de um VT de cerca de dois minutos, editado de forma bastante dinâmica e envolvente, com altas doses de comicidade, integrantes de uma família de moradores do pequeno e pacato município de Santo Antônio do Aracanguá, no interior de São Paulo, tentam encontrar semelhanças físicas com o astro do então recém-lançado filme “Titanic”, baseando-se unicamente no fato de que compartilham o mesmo incomum sobrenome de origem italiana: DiCaprio. O documento de identidade nas mãos não deixava mentir. E o resultado é uma verdadeira pérola do jornalismo brasileiro.
A única relação entre os anônimos personagens de Aracanguá e o famoso ator de Los Angeles, alçado ao máximo estrelato após interpretar o protagonista Jack Dawson, de “Titanic”, dizia respeito ao incomum sobrenome de origem italiana que compartilhavam: DiCaprio.
Acompanhados da equipe de reportagem da Globo, membros da família DiCaprio foram levados pela primeira vez ao cinema para analisar cada detalhe do belo e angelical rosto do então jovem ator de 23 anos, a fim de desvendar suposto grau de parentesco com a ajuda da telona. Tudo não passava de uma brincadeira, é claro. Mas não custava nada sonhar com uma pontinha de realidade.
“Cinema é sonho mesmo, então a gente pode sonhar que ele seja parente nosso”, fantasiou o patriarca da família, Antônio DiCaprio. “Parece um pouco um sobrinho que eu tenho”, constatou a matriarca, Maximina DiCaprio. “Os traços dele têm alguma coisa a ver com a gente”, apontou uma das moças entrevistadas. Outra soltou: “A boca é igual a da Valdeci”, em referência a uma parente delas. O rosto era literalmente familiar.
“Em Santo Antônio do Aracanguá, não há cinema e a maioria dos quatro mil moradores nunca ouviu falar em Oscar. Por enquanto o único artista popular nesta cidade é Leonardo DiCaprio. A grande maioria da população não conhece o trabalho do herói de Titanic. Toda a popularidade que conquistou neste lugar, o galã deve aos 30 moradores que têm o mesmo nome sobrenome dele”, narra o repórter Lucius de Mello, no início da divertida reportagem veiculada pelo Jornal Nacional, em março de 1998, às vésperas da cerimônia da 70ª edição do Oscar.
“A pauta nasceu na chefia de reportagem da Globo em São Paulo. Se não me engano, a ideia foi do Álvaro Pereira Jr., hoje repórter do Fantástico, que naquela época ainda não era repórter, mas atuava na produção de pauta do Jornal Nacional”, revelou Lucius de Mello, em contato com a reportagem do Hora Campinas.
“Com o sucesso do filme ‘Titanic’, tudo que se referia ao Leonardo DiCaprio virava notícia, então o produtor teve a sacada de buscar por brasileiros que tinham o mesmo sobrenome do galã americano. Ele fez a busca em listas telefônicas e acabou encontrando os supostos parentes distantes do ator em Santo Antônio do Aracanguá. Assim, como eu era o repórter do Jornal Nacional que cobria interior de São Paulo, baseado na Globo Bauru, a chefia me ligou e me passou a pauta”, detalhou Lucius.
“Foi uma alegria imensa contar essa história. Os DiCaprio paulistas foram muito receptivos e adoraram imaginar a remota possibilidade de um parentesco distante com Leonardo DiCaprio. Na época, a cidade não tinha cinema e a maioria da família DiCaprio nunca tinha entrado num, então os levei para assistir ao filme em Araçatuba, a cidade mais próxima”, conta Lucius de Mello.
“Levá-los ao cinema, especialmente os avós, foi emocionante. Colocá-los tão belos na simplicidade de seus roteiros da vida real pela primeira vez diante da beleza da ficção cinematográfica foi a cereja do bolo da minha reportagem”, descreve Lucius de Mello.
“Quem se saiu bem com o sucesso de ‘Titanic’ foi Marcelo. O rapaz tem sido disputado pelas moças da cidade, mas por enquanto não quer saber de casamento. Nas horas de folga embarca num Titanic de duas rodas e ajuda a irmã a viver um sonho de cinema”, termina o texto escrito e narrado em off pelo repórter Lucius de Mello.
“O Leonardo pode ser mais bonito que eu, mas pelo menos o meu Titanic não afunda”. Com essa inspirada frase, proferida diante das câmeras pelo galã da família, Marcelo DiCaprio, a reportagem é fechada com chave de ouro, provocando risadas inevitáveis nos telespectadores e sorrisos difíceis de ser contidos no rosto dos apresentadores William Bonner e Ana Paula Padrão, no retorno aos estúdios do Jornal Nacional. Não tinha como terminar melhor.
A 95ª cerimônia do Oscar, a mais importante e famosa premiação do cinema mundial, acontece na noite deste domingo (12), às 21h (horário de Brasília), no Teatro Dolby, em Los Angeles, na Califórnia, nos Estados Unidos.
A deliciosa e exótica matéria produzida pelo repórter Lucius de Mello foi veiculada no Jornal Nacional em março de 1998, portanto há exatamente 25 anos, às vésperas da 70ª edição do Oscar, a mais importante e famosa premiação do cinema mundial, que na ocasião consagrou “Titanic” como o filme mais premiado de toda a história. A megaprodução do diretor James Cameron varreu incríveis 11 estatuetas de 14 indicações.
Disponibilizado há pouco tempo na internet, o vídeo da cômica reportagem viralizou recentemente e conta com milhares de visualizações no YouTube, além de centenas de compartilhamentos e comentários nas redes sociais. Certamente você já deve ter se deparado com essa história ou pelo menos ouvido falar.
25 anos depois…
Localizada na região noroeste do estado de São Paulo, a cerca de 500 km da capital paulista, a localidade de Santo Antônio de Aracanguá completou 100 anos de existência no último mês de fevereiro. Fundado em 1923 e emancipado em 1991, quando deixou de ser distrito da cidade de Araçatuba, o pequeno município surgiu oficialmente em 1993, portanto há 30 anos.
Vizinha de Aracanguá, separados por uma distância de menos de 40 km, Araçatuba tem a origem de seu desenvolvimento ligada a chegada de imigrantes italianos no início do século passado. Talvez esteja aí uma das explicações para a família da região com o mesmo sobrenome de Leonardo DiCpario.
Um quarto de século após ganhar fama por causa da divertida reportagem exibida no Jornal Nacional, o município de Santo Antônio do Aracanguá dobrou a sua população, saltando da casa dos quatro para oito mil habitantes, o que lhe confere a 409ª posição na lista de cidades mais populosas do estado de São Paulo. Porém, segue sem nenhuma sala de cinema dentro de seu território de aproximadamente 1,3 km², o que lhe coloca entre as 15 maiores cidades do estado em extensão geográfica, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Ao todo, existem 645 municípios paulistas.
Personagem que rouba a cena nos minutos finais da reportagem, Marcelo DiCaprio casou-se em 1999, teve duas filhas e continua morando em Santo Antônio de Aracanguá, de acordo com informações obtidas em seu perfil pessoal no Facebook.
Autor da célebre matéria de 25 anos atrás, o jornalista Lucius de Mello deixou a Rede Globo há duas décadas, passou por outras emissoras como SBT e Record TV, e hoje não atua mais como profissional de televisão. Atualmente, dedica-se exclusivamente à vida de pesquisador acadêmico. “Estou concluindo doutorado em Letras na USP, com estágio na Sorbonne Université em Paris. Minha tese analisa a obra ‘A Comédia Humana”, de Honoré de Balzac, especificamente como o autor francês se inspirou e usou a Bíblia de forma profana em seus romances contos e novelas”, explica.
Também escritor, Lucius de Mello já publicou livros como “Eny e o Grande Bordel Brasileiro (2015), biografia sobre Eny Cezarino, uma das mais famosas cortesãs brasileiras, e “A Travessia da Terra Vermelha: Uma Saga dos Refugiados Judeus no Brasil” (2017), romance de não ficção sobre a colônia judaica que existiu em Rolândia, no norte do Paraná, durante a Segunda Guerra Mundial.
Recordes de “Titanic”
Épico romance que encantou o público e entrou para a história do cinema como um dos maiores fenômenos de bilheteria, tornando-se o filme com maior arrecadação do último século, o primeiro a ultrapassar a marca de 1 bilhão de dólares, “Titanic” ocupa atualmente o quarto lugar da lista de maiores bilheterias de todos os tempos.
Recentemente, o clássico do cineasta James Cameron, inspirado na tragédia de 1912, atingiu a casa do 2,2 bilhões de dólares, graças aos relançamentos de 2012, por ocasião do centenário do naufrágio do navio, e de 2023, em comemoração ao aniversário de 25 anos da estreia do filme nos cinemas.
Desde 2009, a liderança do ranking de maiores bilheterias do cinema pertence a “Avatar”, também obra de James Cameron, com faturamento de 2,9 bilhões de dólares. A segunda posição está nas mãos de “Vingadores: Ultimato”, do Universo Cinematográfico da Marvel (MCU), que arrecadou quase 2,8 bilhões. A continuação de “Avatar”, lançada em dezembro do ano passado, com o nome de “O Caminho da Água”, aparece na terceira colocação, conquistada há cerca de duas semanas, ao alcançar a marca de 2,2 bilhões de dólares e superar “Titanic”, que pela primeira vez não integra mais o top 3.
Indicado a 14 categorias do Oscar, recorde jamais superado ou igualado, antes ou depois, “Titanic” faturou 11 estatuetas, assim como havia acontecido anteriormente apenas com “Ben-Hur” (1959) e depois voltou a ocorrer somente com “Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei” (2003).
A obra-prima do diretor James Cameron levou os prêmios de Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Fotografia, Melhor Direção de Arte, Melhor Figurino, Melhor Trilha-sonora, Melhor Edição, Melhor Efeitos Sonoros, Melhores Efeitos Visuais, Melhor Música Original (“My Heart Will Go On”, de Céline Dion) e Melhor Som.