A digitalização, a internet e as tecnologias da informação e comunicação (TIC) alteram radicalmente a forma como trabalhamos. O setor de serviços é o dominante e continua a expandir-se. No entanto, os escritórios – o local de trabalho tradicional do setor de serviços – talvez fiquem fora de moda. O teletrabalho, como na telemedicina ou tele saúde, representa uma modalidade de trabalho, que se tornou necessária durante os confinamentos da Covid-19 e foi facilitada pelas TIC.
Tecnologias como videochamadas e reuniões, escrita colaborativa e serviços em nuvem em geral não são apenas ferramentas eficientes, mas também tornam a presença pessoal, muitas vezes, dispensável. Neste artigo, discutiremos um exemplo específico de trabalho remoto e o contextualizo além das TIC em relação ao declínio urbano, à gravidade e à sustentabilidade. Braesemann et al (1) investigaram um mercado de trabalho totalmente remoto e estudaram em que medida o trabalho remoto conecta empregadores e colaboradores em diferentes países.
Plataformas de trabalho online são mercados que unem empregadores e trabalhadores. Por serem online, facilitam a conexão entre parceiros em todo o mundo. Por exemplo, uma empresa de software sediada na América do Norte poderia atribuir uma tarefa a um programador localizado no sul da Ásia – a plataforma os ajuda a se encontrarem e a coordenar todo o processo de trabalho, desde a contratação do serviço até a entrega.
Os autores relataram que – embora em princípio independentes do espaço – as cidades atraem empregos remotos, enquanto as áreas rurais ficam para trás. Esse resultado sugere que as economias tradicionais de aglomeração também desempenham um papel no mundo virtual. Um motivo pode ser que trabalhadores com habilidades em alta demanda atraem empregos lucrativos, enquanto outros enfrentam intensa concorrência e obtêm baixos salários – assim como no mundo offline. Embora se preveja que as tecnologias de informação e comunicação levarão atividades econômicas às áreas rurais, o desenvolvimento real é o oposto, e a disseminação do conhecimento (troca de ideias entre indivíduos) impulsiona ainda mais a urbanização.
Grandes cidades, como Campinas por exemplo, parecem atrair funcionários qualificados e criativos, independentemente de seu trabalho ser online ou offline. Esta é uma descoberta também fundamental para a escala urbana, visto que grandes cidades geram, por exemplo, mais PIB per capita do que as pequenas (conhecido como retornos crescentes de escala).
No entanto, as TIC mudam não apenas o trabalho, mas também muitos outros aspectos de nossas vidas. O streaming vem substituindo progressivamente a televisão “linear” tradicional. Os cinemas, lutam para se manter competitivos. Além disso, o comércio eletrônico (compras online) reduz a receita das lojas de varejo. Muitas delas fecham, e lojas fechadas deixam espaços vazios nos centros urbanos.
Centros urbanos desertos representam sérios desafios à segurança e urbanidade. Essas considerações levam à seguinte pergunta: qual o papel do espaço e qual será o seu futuro? Historicamente, o tamanho das cidades é limitado pelo tempo necessário para se deslocar dentro delas. Ao contrário de caminhar ou andar a cavalo, os meios de transporte modernos possibilitaram a formação de cidades maiores. Hoje, as TIC tornam as viagens ainda mais eficientes por meio de roteirização em tempo real ou compartilhamento de viagens. Mas o que acontece se pensarmos nos impactos da digitalização, por exemplo, onde os escritórios em casa reduzem a necessidade de deslocamento e onde o trabalho remoto é até mesmo isento de deslocamento? Como consequência dos novos desenvolvimentos em TIC, esperaríamos um enfraquecimento do problema da distância.
Por um lado, virtualmente, podemos encontrar idealmente qualquer pessoa no globo e as únicas restrições, assumindo o acesso à Internet, são os fusos horários. Por outro lado, não precisamos viajar, porque muitas coisas podem ser feitas de casa (escritório em casa, comércio eletrônico, consultas médicas ou de profissionais de saúde) e, para esses propósitos, a distância se torna essencialmente irrelevante. Por último, mas não menos importante, se viajarmos, transportes cada vez mais eficientes permitem viagens mais fáceis e longas. Na era inicial da Internet, a morte da distância era antecipada desde a sua criação.
Em resumo, considerando implicações selecionadas da revolução digital, argumento que, embora o home office e o trabalho remoto tenham se tornado modelos populares, estruturas tradicionais como unidades de saúde continuam absolutamente necessárias. Somos seres humanos e dependemos em muito de outros seres humanos para o cuidado.
As TIC mudaram nossas vidas para sempre e parece impossível viver sem elas. Mas, mesmo sabendo da importância dos tele atendimentos na área da saúde, é fundamental que sejam mantidas e fortalecidas as unidades onde seres humanos cuidam de outros seres humanos na busca da saúde e bem-estar.
(1)- F. Braesemann, F. Stephany, O. Teutloff, O. Kässi, M. Graham e V. Lehdonvirta, A polarização global do trabalho remoto, PLoS One 17, e0274630 (2022), https://doi.org/10.1371/journal.pone.0274630 .
Carmino Antônio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020. Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do Estado de São Paulo em 2022, Presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan, membro do Conselho Superior e vice-presidente da Fapesp, pesquisador responsável pelo CEPID CancerThera da Fapesp.