Sempre olho para dentro de mim. E tudo é uma escuridão total. E assim olho a manhã que vem bater nos meus olhos. Mais uma manhã para buscar uma nova missão para sobreviver, um buscar de fé, uma busca de perdão aos desafetos, um querer entender do que é humano e desumano. Onça come capivara e homem come vaca. Qual a diferença dos bichos que andam sobre a casca do planeta?
Tem um homem que cata latinhas dentro de um lixo social, aquele caixote azul que entristece as nossas calçadas, pois ela representa a sujeira que produzimos para nós mesmos. E todos os dias me envergonho de levar o saquinho de lixo para fora de casa. E tudo fede, tudo é fedido, todo lixo é fedido, e assim nos limpamos de nossos lixos. E lá vai o caminhão de lixo, os homens descarregando os caixões azuis, o som das engrenagens moendo o nosso lixo, levando embora a nossa fedentina. E assim a vida segue se enganando com a incompetência dos senhores eleitores e seus governantes.
O lixo humano é geral. Não só o lixo em si, físico, material, mas o que anda pelas cabeças de militantes políticos. De esquerda ou direita. São eles frutos do lixo político que enfiaram em suas pobres cacholas.
E se vestem de patriotas, verde e amarelo, sem saber que a Pátria é o refúgio dos canalhas – como bem disse um senhor poeta de sabedoria secular. Não estou com paciência para pesquisar na Internet a minha desmemoria. Mas o bom é que ainda me lembro do seu conselho. E assim desejo andar por aí com a minha camiseta branca. Ou melhor, minha bandeira não quer cor pra não descorar.
E as minhas mãos estão trincadas de esmurrar as mãos de alguns amigos que encontro pelas minhas caminhadas. É punho no punho. E máscara no rosto. E isso ainda vai durar muitos e muitos meses. Talvez um ou dois anos. É o preço que pagamos democraticamente em acreditar no cidadão eleito para tomar conta do nosso País – mesmo que nele não tenhamos votado. É o jogo jogado por todos nós que respeitamos as regras democráticas.
E assim molho as plantas da varanda e ando pela quadra de casa mascarado e fazendo de conta que sou o Durango Kid daquela música do saudoso Raul Seixas. A vida é muito mais simples do que imaginamos.
Basta apenas uma bermuda e uma garrafa de água. E muito pé no chão. E o olhar para os cimos dos prédios, das árvores seculares, ou mesmo para as pedras portuguesas da nossa calçada. Tudo vale a pena, dizia Fernando Pessoa, quando a alma não é pequena.
Bem, não sei se a minha é tão grande assim, ou se é pequena. Mas o que tenho me pertence. Principalmente a liberdade de andar e pensar o que bem desejo. Sinceramente, Bolsonaro não sabe nada do que pulsa e vibra na alma de um brasileiro. É isso.
Zeza Amaral é jornalista, escritor e músico