Por Alenita Ramirez, Especial para o Hora Campinas
“Quando deixei a sala, chorei. Chorei muito. Fiquei arrasada”. O desabafo é de uma estudante de 17 anos, que foi convidada para participar de um processo seletivo em uma empresa de telecomunicações, em Campinas, na semana passada. O entrevistador a dispensou após ela dizer que tinha uma filha pequena.
Conforme conta a estudante, a justificativa foi mencionada na frente de outras três candidatas, todas adolescentes (duas de 16 anos e uma de 17 anos). As quatro participavam de uma seleção coletiva para duas vagas de promotora de venda e atendimento ao cliente e haviam sido indicadas por uma agência que atua junto a escolas, universidades e seleciona jovens aprendizes.
A jovem cursa o segundo ano do Ensino Médio. Apesar da pouca idade, a adolescente é casada com um motoboy de 20 anos, mãe de uma menina de 3 anos e vive de aluguel. Ela se inscreveu para o programa de Jovem Aprendiz no final de 2019. Na época, já tinha a filha, que era bebê.
A adolescente relata que já foi selecionada para quatro outras entrevistas, distintas, mas não deram certo. Em todas elas, a garota disse que tinha uma filha, mas nestes casos os selecionadores apenas informaram para ela aguardar que iriam entrar em contato. Na semana passada, quando recebeu a mensagem da agência informando sobre a vaga na empresa de telecomunicações, ficou empolgada e não mediu esforços para participar da entrevista.
Moradora no DIC 1, região do distrito do Ouro Verde, e sem dinheiro para pagar passagem do ônibus, a adolescente pediu carona para o motorista e chegou no horário marcado.
“Achei que a entrevista seria individual, mas não. Fomos colocadas em uma sala e o entrevistador começou nos pedindo para que falássemos nosso nome, idade, se morava com os pais. Fui a última a dar essas informações porque foi por ordem. Falei a verdade, que era casada e tinha uma filha de 3 anos. Quando falei que tinha uma filha, o entrevistador disse que era pai de duas meninas, mas depois disse que ia me dispensar porque a empresa não contratava pessoas que têm filhos. Na hora não sabia o que fazer. Ele cortou a entrevista comigo. Então perguntei se deveria sair e ele disse que eu estava dispensada”, contou a garota.
A estudante disse que se manteve firme e deixou a sala. “Achei que ficaria até o final, pois ele tinha me dito que eu tinha potencial para a vaga. Fiquei arrasada. Conforme saía da empresa, as lágrimas caíam dos meus olhos. Não deixei que ninguém me visse chorando”, relatou. “Eu estava sem dinheiro. Pedi carona. Fiz de tudo para tentar a vaga, mas fui rejeitada só porque tenho uma filha. Será que quem é mãe não pode trabalhar? Eu tenho com quem deixar minha filha. Preciso trabalhar”, acrescentou.
No caminho de volta para casa, a jovem recebeu uma mensagem de sua mãe, a vendedora de carros Maria (nome fictício), questionando como ela tinha se saído na entrevista. “Quando li a resposta da minha filha fiquei sentida por ela. Me doeu muito. Ela me disse: ‘mãe, será que nunca mais vou conseguir trabalho só porque tenho uma filha’. Isso é preconceito. Não pode estar acontecendo nos tempos atuais”, desabafou a vendedora de carros.
A adolescente já trabalhou como atendente em uma sorveteria, em um açaí e em uma espetaria, neste ano, mas os trabalhos foram temporários.
É discriminação
De acordo com o advogado Cláudio Melo, especialista em Licitações e Direito Processual e do Trabalho, a adolescente sofreu discriminação e pode processar a empresa por danos morais se desejar, mesmo sem prova documental. Ela também pode pedir a abertura de um inquérito civil para apurar a conduta da empresa.
“Houve discriminação sim, porque não pode haver essa diferença para fins de contratação. Isso aí, inclusive, impede a mulher de estar ingressando no mercado de trabalho, que é algo que vem sendo combatido há algum tempo”, disse Melo, que orientou a jovem também a denunciar o caso para a Delegacia Regional do Trabalho (DRT) e o Ministério Público do Trabalho (MPT).
Como a adolescente não pegou contatos das outras garotas que participaram da seleção e presenciaram a discriminação, Melo disse que a vítima terá de sustentar a denúncia. Segundo o advogado, há chances de ela vencer caso decida abrir processo.
Poucas denúncias
Apesar de ser considerado discriminação o ato de uma empresa rejeitar a contratação de uma mãe com criança, mesmo que de forma discreta, o Ministério Público do Trabalho (MPT) em Campinas afirma que não há estatísticas sobre esse tipo de crime, uma vez que as denúncias são poucas.
Na área de abrangência do MPT, houve apenas duas ao longo de cinco anos. Uma em 2016, registrada na cidade de Ubatuba, na qual um balcão de empregos anunciou uma vaga discriminatória em que pedia candidata que não podia ter filhos para ser contratada. Em outro caso, em 2020, na região de Campinas, era oferecida uma vaga para cozinheira, cuja exigência era que a candidata preferencialmente tivesse filhos criados, e não poderia ter filhos pequenos.
“O conceito de discriminação está na convenção 111 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e fala que a discriminação é toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento de matéria de emprego ou profissão”, disse a procuradora do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho (MPT), de Campinas, e especialista em discriminação no trabalho, Danielle Olivares Correa.
“Então, logicamente, essas situações de discriminações elas são exemplificativas e não um rol taxativo. Temos a lei 9.029, de 1995, que no seu artigo primeiro, ela proíbe adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação do trabalho. Essa lei proíbe expressamente a adoção de prática discriminatória limitativa para essa relação de trabalho por motivo de situação familiar”, acrescentou Danielle.
Na avaliação da procuradora, a adolescente sofreu discriminação e pode mover uma ação de indenização.
“E esse tipo de discriminação, sujeita a quem faz o pagamento de uma indenização por dano moral. A própria CLT quando trata da proteção do trabalho da mulher no artigo 373A, inciso 2, que fala da recusa de emprego em razão de sexo, idade, cor, situação familiar, ou história de gravidez, salve quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível. Então também existe uma previsão expressa na CLT da proibição de recusa de emprego por motivo por situação familiar. Então de fato, se essa trabalhadora não conseguiu o trabalho por ter filho, é uma prática discriminatória a não ser que haja que a natureza da atividade que ela ia assumir era notória e incompatível”, finalizou a procuradora.
Para o MPT, o baixo registro de denúncias sobre discriminação pode ser pontual ou pelo fato de as vítimas não terem coragem de denunciar – uma subnotificação. Os casos registrados anteriormente foram solucionados.