Pedras embaixo de viaduto e pontilhões, cercas pontiagudas em frente de estabelecimentos comerciais, estruturas de ferro com características medievais e outros tipos de instalações estranhas. Esses elementos podem ser verificados a partir de uma observação um pouco mais atenta dos espaços públicos da área central de Campinas. São as chamadas arquiteturas hostis, que dificultam o acesso de populações vulneráveis, como pessoas em situação de rua. Essas fortalezas da hostilidade, no entanto, estão em processo de demolição. Elas são comuns em grandes centros urbanos e em áreas de comércio. O objetivo é impedir que as cercanias da lojas sejam usadas como descanso ou pernoite.
Grupos sociais de Campinas começam a se mobilizar para a elaboração de um levantamento dessas arquiteturas na cidade. O objetivo é promover a remoção das barreiras que afastam a população de rua por meio de ação no Ministério Público (MP). A Lei Padre Júlio Lancellotti, publicada no Diário Oficial da União do dia 22 de dezembro do ano passado e republicada na última quarta-feira (11) após uma correção, é, agora, a bandeira contra a chamada aporofobia (ódio, ojeriza a pobre).
A lei proíbe a construção e instalação de estruturas hostis.
VEJA EXEMPLOS DE BARREIRAS EM CAMPINAS (por Leandro Ferreira)
Padre Júlio contra a aporofobia
“A lei já sancionada e em vigência sugere e induz a ações de acolhimento e não de rejeição. Assim, saímos da hostilidade para a hospitalidade”, comemora o padre Júlio Lancellotti, que dá nome à Lei. Desde 1986, o religioso de 74 anos promove trabalhos sociais voltados principalmente à população em situação de rua na cidade de São Paulo.
Coordenador da Pastoral do Povo de Rua, Lancellotti viralizou ao utilizar uma marreta para remover pedras pontiagudas que haviam sido instaladas pela Prefeitura de São Paulo em um viaduto na cidade, para evitar que o local fosse utilizado como abrigo pela população em situação de rua.
Lancellotti destaca a luta para que a lei fosse sancionada e entrasse em vigor.
“O Projeto de Lei foi apresentado pelo senador Fabiano Contarato (PT-ES) e teve aprovação do Senado. Na Câmara dos Deputados, o projeto passou pelas várias comissões e também foi aprovado. Só que o ex-presidente Jair Bolsonaro vetou o PL. A Câmara, por sua vez, derrubou o veto do ex-presidente e a Lei foi promulgada e está em vigência.”
Em Campinas, a Pastoral de Rua seguirá o exemplo do padre Lancellotti em São Paulo na tarefa de documentar todas as arquiteturas hostis na cidade e encaminhar as informações ao MP. “Estaremos nos reunindo para levantar os locais com fotos”, afirma o padre André Luiz Meira, responsável pela pastoral, que é integrada por aproximadamente 50 pessoas com participação ativa.
O trabalho mais intenso do grupo é realizado na região do Jardim Londres, onde uma média de 70 pessoas em situação de rua recebem acolhimento. Mas a pastoral tem ramificações por toda a cidade. Segundo o último levantamento da Prefeitura, a população de rua de Campinas gira em torno de mil pessoas.
O que diz a Prefeitura
A Prefeitura afirmou, por meio de comunicado, que também trabalha dentro de um “conceito de arquitetura amigável, evitando e também readequando situações hostis no espaço público”. O projeto está incluído no Plano de Requalificação da Área Central (PRAC), no qual destaca-se também a nova legislação de incentivos fiscais e urbanísticos para reabilitação de imóveis no quadrilátero central.”
A readequação dos espaços, no entanto, acontecerá a logo prazo. “Trata-se de uma pauta importantíssima e multidisciplinar na gestão da cidade”, afirma a secretária adjunta de Planejamento e Urbanismo, Marcela Pupin.
“Estudos setoriais deverão pautar as inovações de conceito. Isso requer levantamento e regulamentação, inclusive para o patrimônio privado”, encerra.
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