Imagine perder não só o seu celular, mas também suas economias em poucos minutos. Essa é uma realidade diária para muitos brasileiros. Segundo o Anuário da Segurança Pública divulgado em julho de 2024, dois celulares são furtados/roubados no Brasil a cada minuto. A pesquisa mostra um registro de 937.294 no ano, situação em que o prejuízo financeiro das vítimas tem extrapolado a mera subtração do aparelho. Ainda, 78% dos registros ocorreram em vias públicas, no período da manhã entre 5h e 7h da manhã, no período da noite entre 18h e 22h, horários em que as pessoas estão saindo ou retornando para casa após trabalho ou estudos.
Atualmente, com o avanço da tecnologia e maior aderência à utilização de aplicativos bancários, o deslocamento até agências bancárias para realização de depósitos, transferências ou outras operações bancárias sofreu queda substancial. É possível até a realização de empréstimos através do aplicativo, não demandando mais sequer a assinatura física de contratos.
Com isso, o aumento dos furtos e roubos de celulares, além de uma questão de segurança pública, mostra-se também uma questão que impacta no setor financeiro do país, pois os criminosos têm conseguido acessar os aplicativos dos bancos e realizar todo tipo de movimentação bancária.
Mas não é solicitado senha, token, ou até mesmo a biometria facial nos aplicativos para liberação de acesso? Sim, a maioria dos bancos possuem mecanismos de segurança, entretanto, se o criminoso consegue subtrair o aparelho celular desbloqueado, ou, mediante ameaça, solicita o desbloqueio da tela no durante o ato, ele acaba conseguindo o acesso. Com essa realidade, ainda que existam essas “travas”, o número de processos judiciais em que se discutem essas operações é grande.
Essas demandas resultam na responsabilização das instituições financeiras sobre as transações que são realizadas pelos criminosos. Isso porque, a facilidade com que eles têm conseguido acessar as contas bancárias das vítimas demonstra a existência de uma falha no sistema do banco, que não pode ser imputada às vítimas.
O Superior Tribunal de Justiça tem a questão pacificada, com a edição, em 2012, da Súmula nº 479, que enuncia: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.”
Os bancos são prestadores de serviços, e podemos estabelecer que este é de suma importância para a sociedade. Em regra, não é obrigação de um banco a disponibilização de aplicativos para seus correntistas, mas o avanço das tecnologias encaminhou essa necessidade para a população.
O artigo 14 e seu §1º, do Código de Defesa do Consumidor é enfático ao prever a responsabilização dos fornecedores de serviço:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I – o modo de seu fornecimento;
II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III – a época em que foi fornecido.
Através do compliance bancário, que consiste num conjunto de práticas, políticas e procedimentos adotados pelas instituições financeiras para garantir que suas operações estejam em conformidade com as leis, regulamentações, normas internas e padrões éticos aplicáveis, e que possui como um dos principais objetivos a gestão de riscos, espera-se que os bancos possuam políticas e mecanismos de identificação, avaliação e mitigação de riscos relacionados às fraudes e outras práticas ilícitas.
Dentre as práticas que vem sendo muito ressaltadas nas decisões judiciais, é a falta de uma trava de segurança no sistema bancário, que não identifica a ocorrência de diversas movimentações incompatíveis com o padrão de utilização daquela conta pelo seu titular.
Enquanto o avanço tecnológico facilita nossas vidas, ele também amplia os riscos. Os bancos precisam assumir a responsabilidade não apenas como guardiões de nossas economias, mas como aliados na proteção contra fraudes.
Afinal, mais do que uma obrigação legal, proteger o consumidor dever ser uma das essências do serviço bancário, sob pena de serem compelidas a restituir às vítimas todo o saldo retirado indevidamente de suas contas e, ainda, ao pagamento de indenização por danos morais.
Thaís Graziella Souza Barbosa é bacharel e especialista em Direito Processual Civil pela PUC-Campinas, e em Direito Médico e Hospitalar pela Escola Paulista de Direito, e Mestranda em Direito Processual Civil pela PUC-SP, advogada no escritório Granito Boneli Advogados.