Tinha escrito antes que o clima de Copa do Mundo estava esquisito. O temor pelo desvio de finalidade desencorajava parte da torcida a escancarar as esperanças pelo hexacampeonato. Pela manhã, no supermercado, tentei me esquivar da conversa forçada sobre esse Mundial não ser como os outros, se apresentar tímido e sem emoção. Nos dias de hoje, quando discordamos, a cautela nos ensina a pausar.
Perto do horário almoço, o barulho dos carros e das buzinas começou a me animar. Vi pela janela torcedores apressados querendo chegar a tempo em casa para assistir à estreia do Brasil. Uma ou outra vuvuzela soava pelas ruas. Em nova escapada pelo bairro, ouvi pessoas trocando ideias de como se reuniriam para ver a seleção brasileira em ação. Estavam animadas. A Copa do Mundo começou, pensei.
Nem o mais desesperançoso torcedor é capaz de negar que lá no fundo, ainda que escondido, está o frio na barriga para ver o que a seleção brasileira tem a nos mostrar no Catar. De nada adianta passear nas Eliminatórias se na hora do Mundial o futebol que se apresenta é diferente daquele que nos colocou como os maiores campeões da história do torneio. O Brasil é diferenciado, o brasileiro é um povo diferenciado – mesmo que apenas nós acreditemos nisso.
O preâmbulo da estreia acaba quando o jogo começa. Lá vem o Brasil, subindo ou descendo a ladeira? Bem, a julgar pelos primeiros 45 minutos, estava estagnado no meio do caminho. Jogo chato. Um paredão sérvio de fazer inveja ao time de vôlei parecia brecar a criatividade do futebol brasileiro. Direita, esquerda, meio, não tinha como o Brasil levar um pouco de perigo, salvo duas jogadas nascidas do talento individual.
A reflexão do intervalo ficou assustadora. Difícil deixar de pensar nos tropeços de Argentina e Alemanha – o torcedor brasileiro ficou feliz, claro, mas e se a lei do retorno a quem deseja mal fosse cumprida?
O começo da etapa final foi de gastura, nervoso mesmo. Até que Richarlison, que andava apagadinho, abriu o placar para o Brasil, com um empurrãozinho de Vinícius Júnior. Nesse momento, fica evidente que jogador de ataque não tem de aparecer, só precisa fazer gol. Também é óbvio que Richarlison discorda disso. Para ele não basta fazer gol, tem de ser pintura. E lá foi Richarlison para marcar o segundo seguido.
No lance, o Brasil que todos nós queríamos se apresentou em campo contra a Sérvia. A jogada começou com Vinicius Junior, merecedor do apoio da torcida no Catar. Ele viu o camisa 9 no meio da área. Richarlison teve sangue frio: dominou, tocou de lado e mandou o voleio. Golaço com a assinatura do futebol brasileiro.
Estreia concluída, o Brasil fez o que deveria fazer, às custas, sim, de algum sofrimento na etapa inicial. E a Copa do Mundo começou pra valer, do jeito que o brasileiro gosta, com pintura e emoção.