Aqui, no Brasil, temos uma clara, vigorosa e definida tendência ideológica nos segmentos mais triviais da política. Os argumentos são viciados, reiteradamente insistentes.
Um seguidor fiel da Esquerda tem a convicção de que Lula não é criminoso, que o Supremo Tribunal Federal é defensor imparcial da justiça, que a Lava Jato foi toda uma armação do pessoal da Direita, que o impeachment da presidente Dilma foi um golpe, que os militares são perigosamente antidemocráticos, com tendência viciada a estruturar ações golpistas. E que, se a Direita continuasse no Poder, logo teríamos composta uma ditadura militar ao estilo Médici dos anos 1970.
Pelo outro lado, um fiel seguidor da Direita tem a mais plena e absoluta convicção de que Lula e o pessoal da cúpula petista formam um bando de criminosos, que agora, no Poder, eles estão articulando uma expansão de governos de Esquerda na América Latina e uma completa judicialização ideológica, de modo que, em breve período de tempo, veremos o País dominado por um ditador estilo Chaves. E ainda alimentam a torcida de que o Exército venha a tomar conta do governo, impedindo que um corrupto prossiga como presidente da República.
Em ambas as elaborações extremistas, é relativamente fácil perceber os exageros de cada lado, a perspectiva paranoide, os temores diante de supostas conspirações, o apelo dos próprios interesses e anseios.
Também não é difícil vislumbrar que cada lado tem muita dificuldade de exercer uma autocrítica, sempre pretendendo não assumir suas falhas e defeitos, sugerindo para si uma aura inabalável de virtudes e talentos. Isto prepara o caminho perigoso e mórbido da paixão cega, do extremismo fanático.
Assim, os ideólogos dos dois lados não se deixam perceber nos contextos invertidos, tão próprios das variações políticas e circunstanciais. Quem está na oposição acha que tem toda a razão de atacar a situação. E vice-versa…
Ainda tem o pior: os políticos brasileiros, protegidos pelo nosso lamentável e abusivo fórum privilegiado, podem fazer e desfazer à vontade. Conseguimos criticá-los, caricaturá-los, censurá-los – é muito fácil acusá-los informalmente, fazer anedotas de suas condutas, mas é extremamente difícil incomodá-los efetivamente.
Durante os mandatos, enquanto não se consegue mudar essa ordem viciada e injusta da imunidade parlamentar, eles mandam e desmandam, sempre articulando a manutenção de seus lugares nas próximas eleições.
Os líderes políticos têm muita semelhança com os religiosos. Há excelentes e confiáveis clérigos, mas também conhecemos pastores, bispos e outras autoridades religiosas muito perversas e aproveitadoras.
Esses líderes religiosos mal-intencionados manipulam a fé de modo bem demagógico, malicioso e desumano. A fé que seria essencialmente uma inspiração virtuosa, cheia de boa-fé, é doutrinada e revirada pela má-fé.
Os políticos de maior sustentação popular servem-se também destas manobras, empoderando-se como mitos e semideuses.
A relação ídólatra – ídolo é absurdamente desproporcional, descabida – equivale ao desnível entre o ser humano e o divino.
À medida que se situa e se sustenta no patamar de mito, de ídolo, o líder se endeusa e mantém a dependência, o entusiasmo, o fanatismo e a paixão do prosélito, do idólatra ou do eleitor.
Propagando-se capaz de atender as expectativas e as esperanças dos humanos apaixonados, o suposto divino vai explorando cada vez mais a situação, garantindo-se com outra imunidade, ainda mais vergonhosa, maligna e iníqua.
Do alto da safadeza, ele sorri para os adoradores, desobrigando-se de seus compromissos e promessas, anunciando: “Que Deus lhe pague! Que Deus os abençoe!”…
Joaquim Z. Motta é psiquiatra, sexólogo e escritor.