Uma jornada de trabalho com oito horas foi e, para muitos, continua sendo uma generalização da quantidade de tempo que devemos trabalhar em um único dia. Mas também é sabido por todos nós que o número de horas dedicadas à labuta por uma pessoa não é, necessariamente, um fator decisivo sobre sua eficiência.
Sendo assim, de onde veio essa ideia de que oito horas de trabalho é o ideal?
Um pouco de história: a jornada de oito horas que conhecemos é herança da Revolução Industrial, quando as fábricas funcionavam sem parar, naquele esquemão 24/7. A regra era que as pessoas trabalhassem entre 10 e 16 horas. Até que Robert Owen, um dos camaradas que fundaram o socialismo, começou sua campanha de “oito horas de trabalho, oito horas de lazer, oito horas de descanso”.
Não demorou muito para que Henry Ford, em 1914, implantasse as oito horas diárias e mudasse os padrões estabelecidos. Para surpresa de muitos, essa alteração na Ford Motor Company resultou na mesma produtividade e gerou maior lucratividade.
Eis então, a razão pela qual se definiu que as oito horas diárias seriam ideais para uma jornada de trabalho. Beleza! Mas as relações de trabalho, assim como outras coisas nesse mundo, vêm sendo desconstruídas e repensadas.
Uma pesquisa realizada no Reino Unido há 5 anos mapeou que, ao longo de um dia, com oito horas de trabalho, a moçada trabalha por aproximadamente três horas, mais precisamente duas horas e 53 minutos. O resto do tempo? Uma combinação entre ler notícias, navegar nas redes sociais, comer, sociabilizar sobre assuntos não relacionados ao trabalho e fazer pausas para fumar e para procurar novas oportunidades de trabalho.
Pronto, o estudo deixou claro que longas jornadas de trabalho não estão relacionadas à produtividade e, muito menos, à eficiência. Outras descobertas mais recentes mostram que as pessoas só conseguem se concentrar por cerca de 20 minutos em determinada tarefa e que uma parcela da população luta para permanecer em uma atividade por mais de dez segundos.
K. Anders Ericsson, especialista em psicologia do trabalho, estudou as pessoas mais bem-sucedidas no mundo e descobriu que o segredo desta parcela de privilegiados reside na “prática deliberada”, que significa se dedicar por algumas horas para aperfeiçoar o seu trabalho, e então parar – canalizando a energia para outras realizações.
Case e seus resultados
Andrew Barnes, proprietário de uma empresa neozelandesa chamada Perpetual Guardian, teve acesso aos dados da pesquisa de 2016 e resolveu testar sua efetividade com 200 colaboradores. Com isso, em vez de trabalhar 40 horas na semana, distribuídas por cinco dias, eles implantaram uma jornada de 32 horas semanais, acrescida de um dia a mais de descanso. PS.: salários e benefícios foram mantidos.
Aí você pensa: nossa, que massa! Pois é, a experiência foi um sucesso. As equipes se mostraram muito mais criativas e os índices de absenteísmo, atrasos, saídas antecipadas e/ou longas pausas diminuíram significativamente.
Questionados sobre as mudanças, os funcionários se mostraram muito satisfeitos com a melhoria na qualidade de vida, sentindo-se mais energizados ao voltar para o trabalho e motivados a serem mais produtivos. E os números? O índice de empregados que se diziam estressados caiu de 45% para 38%, e a sensação de ter equilíbrio entre vida profissional e pessoal subiu de 54% para 78%.
Além disso, jornadas reduzidas ajudam na economia de energia elétrica, água, tempo no trânsito, entre outros. Elas também possibilitam a criação de espaços compartilhados, que podem ser ocupados por diferentes equipes e, quem sabe, até por diferentes empresas.
Pandemia
A pandemia de Covid-19 está mudando muita coisa. Além da aceleração da revolução digital, ela tem consolidado novos modelos de trabalho, como o teletrabalho. Uma pesquisa realizada pelo Capterra, da Gartner, apontou que 41% dos funcionários de pequenas e médias empresas que adotaram o home office se consideram mais produtivos. Para 81% destes entrevistados, foi a flexibilidade de horário que impulsionou a produtividade.
Dados como estes reforçam a teoria de que nem sempre a quantidade de horas trabalhadas é proporcional à produtividade das pessoas.
Discussões, debates, testes, práticas e mais testes… Para grande parte da nossa sociedade, construída sobre os pilares da Revolução Industrial, ter menos horas de trabalho ainda está vinculado à questão de gerar menos lucratividade e, assim, ter menos dinheiro no bolso.
Mas, ao que tudo indica, essa dinâmica tende a mudar. E pode ser rápido!
Flávio Benetti é especialista em Comunicação Interna e Endomarketing – professor, palestrante e CCO na BoasNovas