A Copa do Mundo do Catar começou. Não sei se sou eu ou se é o país, mas o clima de Mundial está esquisito. Há quatro anos, ruas, praças e casas, a essa altura, estavam decoradas para receber a esperança do hexacampeonato. Apenas isso. Confuso hoje é ouvir brasileiros e brasileiras dizerem que não vestirão a camisa canarinho para torcer pela seleção por temerem o desvio de finalidade.
Triste foi o dia em que cores passaram a simbolizar ideologias. E não falo só do amarelo, uma de minhas cores favoritas.
Gosto também do vermelho – e confesso que roupas de certas cores andam encostadas no meu guarda-roupas. Uma cor não me define, mas identifica correntes que partem ao meio uma nação. Cada um usa a cor que mais gosta. Será mesmo? E onde fica o receio de ser insultado ou talvez agredido por estar no lugar errado com a cor errada? Quem me conhece sabe o risco. Minha amiga é que é feliz. Adora azul.
Voltando ao assunto em questão, o clima de Copa do Mundo anda esquisito. A efervescência das eleições não passou, o País está dividido, atos ocorrem para declarar descontentamento. E o Mundial do Catar se anuncia em um momento de delicada transição. Brasileiros e brasileiras podem considerar desvio de finalidade vestir amarelo ou torcer pela seleção brasileira quando há questões mais urgentes em curso.
E o futebol, paixão nacional, passa ao largo de polêmicas morais simbolizadas por cores e adereços.
O clima de Copa do Mundo anda tão esquisito, que não consigo deixar de pensar no Mundial de 1970. Sem nenhuma analogia, lógico. Naquele ano, o Brasil conquistou o tricampeonato durante a ditadura de um governo militar. Pelé, Tostão, Rivelino, Jairzinho, Gerson, uma lista de craques que dificilmente será igualada, ergueu a taça sob a guarda do general Emílio Garrastazu Médici. Conquista marcante, em muitos sentidos. Foi nessa época que ganhou força a frase “Futebol, o ópio do povo”, porque o Mundial desviaria os brasileiros e brasileiras das reivindicações por direitos sociais tolidos.
Vinte e quatro anos depois, a seleção brasileira levantaria a taça do tetra em um contexto diferente. Eram tempos de democracia e o fim do longo jejum de títulos foi festejado com as bênçãos de Romário e Bebeto. O penta até que nem demorou, veio em 2002, de forma avassaladora, com sete vitórias em sete jogos.
Por isso, se bater a insegurança pelo amarelo, lembrem da história do “manto de Nossa Senhora”.
Na final da Copa de 1958, o Brasil não pôde vestir a amarelinha contra a Suécia. Paulo Machado de Carvalho, chefe de delegação do Brasil, para motivar os jogadores e espantar o receio pela má sorte de não usar o uniforme principal, fez um discurso motivacional apoiado no fato de a camisa azul ter sido criada em homenagem ao manto sagrado da padroeira do Brasil. E o Brasil conquistou o primeiro Mundial, com as bênçãos de Nossa Senhora.
A trajetória da seleção brasileira na Copa do Mundo é também retrato da história. Cada conquista teve cenário e peso diferentes. E 2022 não é exceção. São tempos esquisitos, sim, mas futebol é futebol. O brasileiro é sacudido, consegue “assobiar e chupar cana”, torcer pela seleção sem perder de vista suas convicções sociais. E o “manto de Nossa Senhora” é neutro, não se esqueçam. Feliz da minha amiga que adora azul!
Laine Turati, jornalista, é editora de Conteúdo do Hora Campinas