No Observatório da Educação Campineira, temos o compromisso público de escutar e narrar histórias reais — histórias que nascem no chão da escola e ganham força ao serem compartilhadas com o coletivo. Algumas dessas histórias nos ajudam a diagnosticar os impasses e os desafios enfrentados cotidianamente por professoras, gestores e famílias. Outras, no entanto, fomentam a esperança e acendem possibilidades concretas de transformação.
A narrativa que escolhemos compartilhar neste artigo dialoga diretamente com essa segunda perspectiva. Trata-se da história da construção de um parque infantil em uma creche conveniada de Campinas, situada na região do Cambuí. Mais do que uma intervenção arquitetônica, o que se passou ali foi a criação de um espaço de convergência entre diferentes saberes e comunidades. Um verdadeiro exemplo que a literatura chama de comunidade fronteiriça. Mas afinal, o que significa esse conceito?
De forma simples e direta, segundos estudiosos como Ettiene Wenger e Dario Fiorentini, podemos dizer que uma comunidade fronteiriça é aquela que atua nos limites entre sistemas formais e saberes populares, entre diferentes territórios de conhecimento, entre o institucional e o vivido. Ela se organiza em espaços híbridos, onde múltiplas vozes são consideradas e a colaboração é regra — e não exceção. Nessas comunidades, a fronteira não é vista como barreira. Pelo contrário: ela é espaço fértil, de troca e de construção coletiva. Em vez de impor um saber sobre o outro, diferentes atores sociais se encontram para escutar, reconhecer e criar em conjunto.
Foi exatamente isso que aconteceu na creche Menino Jesus de Praga, em Campinas. A construção do parque naturalizado da unidade não seguiu os moldes tradicionais dos projetos impostos de cima para baixo, sem diálogo com a realidade local. Pelo contrário: a proposta nasceu da escuta e do desejo coletivo. Segundo a diretora Jeanne Rodrigues, o processo foi conduzido com base em uma metodologia de escuta sensível das crianças, das professoras, dos funcionários e das famílias. Nada foi feito sem antes perguntar, observar e dialogar. A escola não foi apenas o cenário da obra. Ela foi protagonista do processo.
Os arquitetos envolvidos — profissionais da cidade, comprometidos com o bem público — atuaram não como donos do projeto, mas como tradutores técnicos dos sonhos e necessidades da comunidade. Receberam os relatos, os desenhos, os desejos e, a partir disso, desenharam um espaço que respeitasse o brincar, o pertencimento e o território. O resultado foi muito mais do que um parque bonito. Criou-se um ambiente que dialoga com os princípios da educação infantil democrática, que reconhece as crianças como sujeitos de direitos e valoriza o brincar como linguagem própria da infância.
Hoje, o parque da creche Menino Jesus de Praga é considerado um modelo de referência para o desenvolvimento integral na primeira infância. O espaço demonstra, de forma concreta, que quando diferentes comunidades se reúnem com um propósito comum, o que se forma é um espaço fronteiriço de saberes, culturas e práticas.
No mundo dos negócios, diríamos que se trata de um case de sucesso. Um exemplo bem-sucedido. Mas, na linguagem da educação, talvez o mais apropriado seja dizer que se trata de uma vivência potente de construção colaborativa, que inspira outras práticas e desafia a lógica verticalizada que ainda impera em muitas políticas públicas.
O parque da creche é, portanto, mais do que uma estrutura física. Ele é testemunho de que é possível fazer diferente. De que a escuta ativa, o respeito mútuo e o trabalho em rede não são conceitos abstratos, mas práticas possíveis — desde que haja vontade política e sensibilidade gestora.
Essa experiência nos lembra que a educação infantil precisa sair do lugar da invisibilidade. Ela deve ser entendida como etapa estratégica para o desenvolvimento humano e para a construção de uma cidade mais justa. E isso começa, muitas vezes, por pequenos gestos que se tornam grandes marcos — como um parque construído com e para a comunidade.
Ao relatar esse caso, o Observatório da Educação Campineira reafirma sua aposta nas práticas que surgem nas bordas e nos interstícios entre diferentes comunidades. A cidade de Campinas tem em sua rede da primeira infância inúmeros profissionais dedicados e comunidades de diferentes áreas com grande potencial de protagonismo. O que falta, muitas vezes, é escuta e articulação.
Essa experiência dialoga com os princípios do Plano Municipal da Primeira Infância Campineira (PIC), que orienta as ações do poder público e da sociedade civil na defesa dos direitos das crianças. O PIC incentiva projetos como esse — que nascem do território, valorizam a escuta e integram diferentes áreas como Assistência Social, Educação e Saúde. Quando a prática local se alinha com a política pública, temos um ciclo virtuoso de transformação.
O parque da creche Menino Jesus de Praga mostra que é possível romper com o modelo verticalizado de gestão pública e criar experiências significativas e transformadoras. A história desse parque nos inspira porque mostra que a mudança não vem só de cima, nem só de baixo. Ela nasce no encontro. E toda vez que uma comunidade escolar se junta a técnicos, gestores, crianças e famílias para pensar um projeto comum, ali se forma uma comunidade fronteiriça. Ali nasce uma nova cidade possível.
Vanessa Crecci é doutora em Educação pela Unicamp. Professora da rede municipal de ensino de Campinas. Apresentadora e roteirista da EducaTV. Membro do Observatório da Educação Campineira.
Jeanne Maria Madureira de Camargo Rodrigues é formada em Pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas e pós-graduada em Psicopedagogia Clínica e Institucional pela Faculdade Ibero-Americana de São Paulo. Atua como diretora educacional da Creche Menino Jesus de Praga.