O vídeo de um entregador de comida sendo agredido pelo cliente, após uma discussão envolvendo a forma de pagamento, viralizou nas redes sociais neste início de fevereiro. O caso ocorreu em Manaus e na gravação é possível ouvir a voz de uma mulher, a única pessoa que tenta intervir, quando diz: “Ei, moço, deixa ele. Ele está só fazendo o trabalho dele”.
É uma frase forte: “só está fazendo o trabalho dele”, e que diz muito sobre as relações de trabalho e as transformações na relação “empregados-empregadores”, especialmente em um cenário pandêmico como o que vivemos desde março de 2020.
Os entregadores de comida por aplicativos estão no grupo de trabalhadores informais que cresce significativamente pelo mundo todo e faz parte da chamada “Gig Economy”, ou uma economia alternativa que consiste em prestação de trabalhos temporários ou de curto prazo, incluindo autônomos, freelancers e os que abastecem serviços, como o Uber e Airbnb.
Esse modelo não é novo, mas se transformou e ganhou destaque nos últimos anos, fortalecido pela oferta de empregos das plataformas digitais, como fonte de renda complementar ou principal. A Gig Economy oferece um regime de trabalho flexibilizado que engloba formas de atuação alternativas, não convencionais, e no qual os trabalhadores podem conduzir suas próprias vidas profissionais. Será?
Essa é uma forma de trabalho baseada em pessoas que têm empregos temporários ou fazem atividades de trabalho, pagas separadamente, sem horário ou local fixo. Portanto, precisamos refletir sobre a necessidade de avaliar as reais condições de trabalho, inclusive em situações de crise, que por si só já são desafiadoras e podem ser ainda mais complicadas quando não há respaldo jurídico de apoio.
Neste sentido, a lei 14.297, promulgada pelo presidente Jair Bolsonaro, no último dia 6 de janeiro (mesmo dia em que a Uber Eats anunciou sua saída do serviço de delivery de restaurante no Brasil), constitui importante marco regulatório para empresas de aplicativo e trabalhadores, pois assegura benefícios ao entregador e, de outro giro, confere maior segurança às empresas de aplicativo na condução de sua operação.
A nova lei regulamenta e estabelece medidas de proteção asseguradas ao entregador que presta serviço por intermédio de empresa de aplicativo de entrega. Ela prevê, por exemplo, o pagamento de assistência financeira pelas empresas de entrega por aplicativos em casos de acidente no percurso ou mesmo resultado positivo para o vírus da Covid-19.
Também determina que as empresas são obrigadas a fornecer, gratuitamente, “equipamento de proteção individual adequado ao risco e em perfeito estado de conservação e funcionamento, sempre que as medidas de ordem geral não ofereçam completa proteção contra os riscos de acidentes e danos à saúde dos empregados”.
A lei ainda reforça o entendimento do Poder Judiciário sobre o tema. Em julgamento realizado dia 15/12/2021, pela 3ª Turma do TST (Tribunal Superior do Trabalho), dois dos três ministros do colegiado reconheceram vínculo empregatício entre a Uber e um motorista, por entenderem que existe subordinação dos motoristas com a empresa, e abrindo importante precedente, uma vez que isso significa conceder ao trabalhador todos os direitos previstos em lei, como férias, 13º salário, FGTS, entre outros benefícios.
Neste sentido, a Lei nº 14.297/2022 vem para esclarecer que, em que pese a necessidade de modernização e de novos modelos de trabalho, a dignidade do trabalhador e sua relevância social prevalecem.
Carmem Lilian Calvo Bosquê é sócia do Bosque Advocacia.