Desponta devagar o ano de 2024. É o tempo que flui depois das 24 horas de 31 de dezembro, sem qualquer alarde, a não ser o relógio deitar-se sobre as horas. O ponteiro a transpor esse limite, faz emergir o ano seguinte, silencioso…
Ao erguermos as taças para brindar o Ano Novo, é como se louvássemos um milagre! Agora tudo será diferente! Sucesso, realizações e felicidade! Tais chavões se repetem sem qualquer reflexão em meio a abraços direcionados a pessoas caras ou até mesmo a quem nem conhecemos, em meio a euforia da meia-noite de 31 de dezembro. Fogos… arabescos no céu… e o champanhe a alimentar nosso paladar e anestesiar o pensar.
O que mudou? Apenas o calendário. Nada acontecerá se não assumirmos o leme de nossa vida e assinarmos os nossos atos.
Li uma reflexão de Isaac Roitman, professor da Universidade de Brasília, que reza o seguinte:
“Para Immanuel Kant, a felicidade é a condição do ser racional no mundo, para quem, ao longo da vida, tudo acontece de acordo com o seu desejo e vontade. Para Nietzsche a felicidade é frágil e volátil. E complementava, a melhor maneira de começar o dia é, ao acordar, imaginar se nesse dia não podemos dar alegria a pelo menos uma pessoa. Segundo Einstein, uma vida calma e modesta traz mais felicidade do que a busca do sucesso combinada com uma constante inquietação. Por outro lado, Hannah Arendt introduziu o conceito de felicidade pública com a participação pública nas questões políticas, da possibilidade de reunião, da alegria do discurso, da possibilidade de persuadir e ser persuadido, a liberdade pública de agir em conjunto. Sigmund Freud defendia que todo indivíduo é movido pela busca da felicidade, mas essa busca seria utópica, uma vez que para ela existir, não poderia depender do mundo real, onde a pessoa pode ter experiências como o fracasso, portanto, o máximo que o ser humano poderia conseguir, seria uma felicidade parcial.”
Passei então à minha reflexão. Onde me encaixo? Percebi que me identifico em parte com Kant e Einstein. Nietzsche traz-me certo pessimismo. Admiro Hannah Arendt pela sua personalidade da persuasão mútua e do coletivo. Concordo em parte com Freud. Mas eu sou eu!
Mergulhando dentro de mim mesma, gosto de silêncio, de refletir sobre a minha vida, de conviver, de escrever, de pesquisar, de amar, de apreciar o sorriso de um filho, de amainar lágrimas que jorram, de ser ombro a quem dele precisa, de defender minhas convicções, de aprender com meus erros, de ouvir o som das nuvens, de extasiar-me com os matizes das flores…
E tudo isso faz pano de fundo à minha felicidade, a meu estado de espírito, mesmo em momentos de experiências negativas e dores.
Iniciei este texto para cumprimentar os acadêmicos, meus confrades e confreiras, meus companheiros, meus amigos pelo ano de 2024 que está vindo à luz mas, em digressão, creio que o recheio desse espaço de doze meses do calendário será preenchido por nós próprios, de acordo com nossos anseios, nosso modo de viver, nossas idiossincrasias, nossa certeza de que assumimos cada ato e momento de nosso caminhar, nossa humildade para rogar um abraço amigo, nossa necessidade de buscar a mão de Deus, nossa forma de equacionar o tempo e nossa assinatura sob nossas palavras.
Desejo que cada um de vocês construa o ano de 2024 apto a enfrentar alegrias e desafios. E haja o remanso da felicidade…
Ana Maria Melo Negrão é escritora, pesquisadora e historiadora. Ocupa a cadeira número 8 da Academia Campinense de Letras (ACL), onde é vice-presidente