A burocracia por conta de termos técnicos na lei está atrasando a escolha de um novo maestro para a Orquestra Sinfônica de Campinas, que está sem regente desde janeiro. Em 31 de dezembro de 2021, o maestro chileno Victor Hugo Toro deixou o cargo após 10 anos como regente titular. Ele pediu exoneração sob o argumento de que já tinha cumprido a sua missão em Campinas. Os músicos fizeram, então, uma lista indicando cinco possíveis substitutos, mas a exigência de uma formação específica impediu a nomeação de um deles.
Paralelamente, intelectuais liderados pelo presidente da Academia Campinense de Letras, Jorge Alves de Lima, têm feito uma campanha para emplacar o nome do maestro Júlio Medaglia. O movimento esbarra na promessa do prefeito Dário Saadi, feita durante a campanha, de que respeitaria o nome indicado pelos integrantes da orquestra.
O entrave passa por um pedido da Associação dos Músicos da Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas, que pleiteia alterações na Lei Municipal nº 301, de 2021, que trata do cargo de maestro da Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas, no que se refere sobre a escolaridade mínima e a experiência necessária para o provimento do cargo.
Os músicos se reuniram com a secretária de Cultura e Turismo, Alexandra Caprioli, e entregaram o documento solicitando as alterações na lei. Segundo a Administração, o documento já está em trâmite na Secretaria de Justiça, que fará a análise, e posteriormente, será enviado à Câmara Municipal.
Para Alexandra Caprioli, o pedido apresentado pela Associação se mostra válido uma vez que houve a tentativa de cumprir a contratação do novo maestro, mas houve o impedimento por conta da titulação exigida na lei em vigor no quesito bacharel em Música, “com ênfase em Regência Orquestral”.
“Apesar dos currículos serem relevantes e de padrão internacional, o fator restritivo à contratação é quanto à titulação estabelecida na lei em vigor. Ao acatar a proposta da Associação, a aplicação da lei com as alterações permitirá contratar uma pessoa selecionada por ter experiência de relevância nacional e internacional construída pela sua carreira”, explica a secretária.
As alterações
O primeiro ponto a ser alterado é a mudança no título do cargo de “Maestro” para “Regente Titular e Diretor Artístico”. A lei municipal nº 12.989 de 2007, que institui o plano de cargos e salários da OSMC, não faz menção ao cargo de chefia da orquestra como “Maestro”, mas como “Regente Titular”, o que pode gerar dúvidas no entendimento das competências do servidor em comissão caso o termo não seja modificado.
“Desse modo, o título do cargo seria “Regente Titular e Diretor Artístico”, refletindo com mais exatidão a descrição de cargo constante no item 3.1 da lei que o institui. Em outras palavras: o Regente Titular e Diretor Artístico é aquele que rege e responsabiliza-se pela programação artística da OSMC, entre outras funções”, diz o documento.
“Não é questão meramente etimológica, envolvendo a mudança no título do cargo de “Maestro” para “Regente Titular e Diretor Artístico”. Maestro é a palavra italiana para professor enquanto o termo em português “Regente” nos parece mais apropriado”, aponta o documento da Associação.
Formação
A segunda alteração é quanto à escolaridade mínima. A Lei Municipal 301 de 2021, em seu item 3.2 definiu como requisito mínimo para o cargo de Maestro da OSMC o bacharelado em música com ênfase em regência orquestral. “O que limita muito as possibilidades de provimento do referido cargo”, justifica o documento.
A proposta da Associação é que requisito mínimo para o cargo de Maestro da OSMC seja bacharelado ou licenciatura em música, execução de instrumentos musicais eruditos (instrumentos musicais em uso em orquestras sinfônicas – inclusive piano) ou regência orquestral ou composição. Em caso de licenciatura ou bacharelado em universidades estrangeiras, possibilita-se a validação do diploma por universidade nacional pública no prazo de até 2 anos da assunção do cargo.
A Associação explica: “Um regente de orquestra nada mais é do que um músico profissional altamente capacitado e que, reconhecido e aceito por seus pares como uma liderança intelectual, técnica, artística e por sua capacidade de gestão, tem a honra de dirigir e propor a programação do conjunto. Desse modo, entendemos que o requisito mínimo para o cargo, no que diz respeito à titulação acadêmica, não deve ser restrito àqueles que cursaram o bacharelado em regência, de modo a contemplar todo espectro da formação em música de nível superior”.
“Tal alteração estaria de acordo com a titulação já exigida ao músico servidor de carreira da OSMC, descrita no Art. 6 inciso I da lei municipal 12.989 de 2007. Desse modo, a escolaridade mínima exigida para o cargo de Regente Titular e Diretor Artístico obedeceria aos mesmos critérios, possibilitando o provimento do cargo em comissão por músicos com experiência e capacidade para chefiar nossa orquestra”.
Indicação do regente deve ser feita pelos músicos
A Associação também propõe que o sistema de indicação do Regente Titular e Diretor Artístico seja por lista elaborada pelos músicos servidores de carreira da OSMC para o provimento do cargo. “Entendemos que não é possível reger uma orquestra sem que ela lhe conceda esse direito e se deixe conduzir”, ressalta o documento.
Entre as orquestras brasileiras, um exemplo notório foi a sucessão do maestro Eleazar de Carvalho na OSESP em 1996, quando dos três indicados pelos músicos o escolhido pelo então secretário de Cultura, Marcos Mendonça, foi John Neschling, que liderou um processo de reestruturação sem precedentes na história da música sinfônica nacional.
Outro exemplo importante é o da Sinfônica da Universidade de São Paulo (OSUSP), que através da resolução CoCEx nº 7648, de 26 de abril de 2019, instituiu o processo de escolha de novos regentes por lista tríplice elaborada pelos músicos.
O sistema de lista tríplice já é a maneira com a qual os regentes titulares da OSMC vêm sendo escolhidos há mais de 20 anos, desde a saída do maestro Benito Juarez e a indicação de Aylton Escobar, no ano de 2000.
O próprio histórico da OSMC é prova disso. Foi por meio desse sistema que importantes regentes nacionais e internacionais puderam contribuir com o desenvolvimento cultural da cidade de Campinas. Há também exemplos em outras orquestras nacionais e internacionais em que a participação dos músicos é parte determinante no processo de escolha de um novo regente, como o célebre caso da sucessão de Herbert Von Karajan na filarmônica de Berlin por Claudio Abbado em 1989, por exemplo.
A secretária reforçou à Associação o “compromisso de, em feita à adequação da lei conforme solicitado pela Associação, o processo de contratação do regente titular continuará levando-se em conta os requisitos como a formação e a trajetória profissional”.
Sucessão – novo maestro
A secretária Alexandra Caprioli disse que o processo de sucessão do regente titular da Orquestra continuará através dos nomes indicados pelos músicos. Em dezembro de 2020, a Associação elaborou uma lista de candidatos ao cargo de um novo regente em substituição ao maestro Victor Hugo Toro. A lista inicial contemplava 36 nomes, numa segunda etapa, foram 11 e chegou-se a 5 nomes, após convocação dos servidores ativos da Sinfônica para uma ampla e democrática discussão. Um deles declinou.
Os cinco finalistas são: Bruno Borralhinho, Enrique Diemecke, Carlos Prazeres, Alessandro Sangiorgi e Lanfranco Marcelletti Jr, que já recusou o convite
Todos foram contatados, enviaram a documentação, currículo e dados da formação. Ocorre que pela lei em vigor, apesar dos currículos extraordinários dos candidatos, o quesito bacharel em Música, “com ênfase em Regência Orquestral”, dificulta a contratação.
Assim que teve o parecer do Jurídico, a secretária informou à Associação que, prontamente, protocolou ao prefeito e à Secretaria um ofício pedindo as alterações da lei em vigor.
Temporada de concertos
De acordo com a Pasta, o processo está em andamento e não compromete os trabalhos da Orquestra com a retomada da temporada dos concertos. O primeiro deles será para as comemorações ao Dia Internacional da Mulher, em março. “Já foi convidada uma maestrina para reger o concerto em homenagem à data. O anúncio da temporada dos concertos da Orquestra será feito em breve”, conclui.