As eleições municipais de 2024 reforçaram o que a polarização política entre o PT de Lula e o PL de Bolsonaro tenta esconder: os partidos do Centrão governam o Brasil – e não é de hoje – a partir do Legislativo e das prefeituras.
PSD, de Gilberto Kassab; MDB, de Baleia Rossi, e PP, de Ciro Nogueira , juntos, terão o controle de 2.490 municípios brasileiros, ou seja, quase metade de todas as cidades do país. O PL, principal partido representante da direita, venceu em 516, enquanto o PT, maior partido da esquerda, terá 252 prefeituras. Entre as capitais, 10 serão governadas por PSD e MDB, incluindo São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Florianópolis, São Luis, Curitiba, Porto Alegre, Belém, Boa Vista e Macapá.
O poder do Centrão já é velho conhecido no Congresso: de 81 senadores e senadoras, 26 são do PSD e MDB, enquanto 12 são do PL, 8 são do PT, 2 são do PSDB e apenas 1 é do Novo; de 513 deputados e deputadas federais, 308 são do bloco comandado pelo PSD, MDB, União e PP, 92 são do PL e 68 são do PT.
Não à toa, as pressões parlamentares que forçaram o golpe parlamentar contra Dilma Rousseff criaram, em 2017, o vergonhoso Fundo Eleitoral, que distribuiu R$4,9 bilhões para partidos políticos em 2024, e, sob Bolsonaro, o Orçamento Secreto, que permitiu triplicar as emendas parlamentares enviadas por deputados e deputadas para aliados políticos, chegando a R$23 bilhões em 2023 – R$2,2 bi usados pelo PL, R$2 bi pelo PSD, R$1,8 bi pelo PP, R$1,7 bi pelo PT e R$1,6 bi pelo MDB.
As bancadas mais numerosas (conservadoras e reacionárias) da Câmara também são controladas pelo Centrão, incluindo a do Boi (ruralista), a da Bala (militar) e a da Bíblia (evangélica). Quem preside o Senado é Rodrigo Pacheco, do PSD, e a Câmara é presidida por Arthur Lira, do PP. Entre antigos presidentes do Congresso, estiveram Michel Temer (1997/2001 e 2009/2010) e Eduardo Cunha (2015/2016), articuladores do golpe que destituiu Dilma em 2016.
Longe do legado de Ulysses Guimarães, também do MDB, presidente do Congresso durante a Constituinte pós-ditadura militar, o Centrão do século 21 não busca conciliação entre polos ditos “radicais”, como a esquerda de Lula e Boulos e a direita de Bolsonaro e Marçal.
Propõem, de maneira perversa, a naturalização de agendas neoliberais, como as privatizações e a violência militar defendidas pelo governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas (REP), enquanto corroem pautas sociais defendidas pelo campo progressista (PSOL, PV, REDE, PT), como o imposto sobre grandes fortunas, a reforma agrária e a regulamentação das redes sociais.
Se vendem como um ponto de bom senso entre a esquerda e a direita quando, na verdade, agem dos bastidores, movimentando bilhões de reais tecendo acordos mercenários com empresários, banqueiros e pastores sem se colocarem nos holofotes da grande imprensa, que sempre mira nos representantes do Executivo nacional.
Forçam o presidencialismo brasileiro a funcionar como um verdadeiro balcão de negócios parlamentarista, colocando em prática os piores valores da esquerda e da direita: o assistencialismo populista que não resolve problemas sociais estruturais e a exploração econômica que deixa o Brasil refém dos interesses de um minúsculo grupo de bilionários que governa o país sem ter sido eleito pelo povo.
Nas eleições, espalhando o medo contra o suposto extremismo de reformas mais amplas e profundas na educação, na saúde, na habitação, na segurança pública, nas políticas agrárias e urbanas, o Centrão direciona a revolta da população que não se sente representada pelo Estado ao discurso de ódio nas redes sociais e ao discurso vazio contra a corrupção, apegado ao conservadorismo e à retórica de costumes em discussões laterais como o aborto, as drogas e o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Para que o Brasil possa avançar em direção a uma democracia verdadeiramente popular, o engajamento da população precisa ir além da ilusória escolha entre o menos pior a cada dois anos.
É fundamental que os cidadãos e cidadãs compreendam a força que têm para influenciar as decisões políticas, o que envolve participação ativa em espaços comunitários, associações de bairro, sindicatos e outros movimentos sociais.
O Centrão prospera justamente no ambiente de apatia política, onde poucos se organizam para questionar suas práticas ou propor alternativas subversivas para mudar o país. Por isso, uma sociedade mais consciente e mobilizada tem o poder de enfraquecer essa estrutura de poder que perpetua desigualdades e corrupção, abrindo caminho para um projeto de país baseado em princípios de justiça social, transparência e representatividade.
A valorização da diversidade e o apoio aos movimentos sociais são pilares para a construção desse novo Brasil, onde vozes historicamente silenciadas possam ter protagonismo. São esses movimentos que denunciam as injustiças sofridas por povos indígenas, comunidades quilombolas, pessoas de pele preta e parda, mulheres, LGBTQIAP+ e tantos outros grupos marginalizados, exigindo reparação histórica e direitos plenos.
O Centrão, com sua agenda frequentemente voltada para interesses econômicos de elites privilegiadas, age de forma a manter essas populações em uma situação de marginalidade e silenciamento, enquanto favorece setores econômicos conservadores que se opõem a reformas estruturantes.
Superar o conservadorismo arraigado no Brasil é entender que o Centrão é só mais um tentáculo do neoliberalismo. A naturalização desse modelo retrógrado precisa ser confrontada pela luta social encampada pelo povo unido pela consciência de classe, que veja na democracia não apenas a manutenção da ordem, como um destino fatal, mas uma oportunidade constante de transformação, revolução e subversão.
Luis Felipe Valle é professor universitário, geógrafo, mestre em Linguagens, Mídia e Arte, pós-graduado em Neuropsicologia.