Pânico, medo, histeria. Esses elementos tomaram conta do quadro social nos últimos dias. A escalada no número de ataques às escolas, aliada à boataria na internet sobre ameaças de novos casos, tem gerado um clima de tensão entre pais de alunos, estudantes, professores e educadores. Pressionadas, as autoridades adotam medidas urgentes para frear o problema. Por outro lado, especialistas apontam como de igual urgência a implantação de políticas públicas que estabeleçam uma ética no convívio escolar.
Na última semana, as ameaças de ataques às escolas povoaram as redes sociais. Diretores, até mesmo de escolas da Região Metropolitana de Campinas (RMC) que valorizam a humanização em seu quadro curricular, entraram em pânico. Em uma faculdade de Campinas, um bilhete colocado no espelho do banheiro feminino anunciando um “Dia D” provocou alvoroço e os alunos foram dispensados mais cedo. Um esvaziamento nas unidades de ensino, aliás, tem sido notado por educadores. O medo tem ditado a regra.
A tragédia na creche Bom Pastor de Blumenau, onde um homem de 25 anos invadiu o espaço e matou quatro crianças, no último dia 5, deflagrou a onda de pânico e, ao mesmo tempo, a intensificação de ataques.
No último dia 12, em uma escola do município de Farias Brito, no Ceará, um estudante atacou e feriu duas meninas de 9 anos com objeto cortante. No mesmo dia, em Morungaba, um homem invadiu a EMEF Prof. Irineu Tobias e ameaçou alunos com uma faca. Ele foi detido pela polícia e a Prefeitura anunciou a suspensão das aulas na rede municipal.
No início da semana também houve ataques em escolas de Manaus e de Santa Tereza de Goiás, com registro de alunos feridos.
O clima de tensão mobilizou autoridades e uma onda de ações preventivas foram anunciadas. Reforço no policiamento dentro das escolas, instalação de câmeras de segurança e a criação de um canal de comunicação direto com autoridades policiais foram as principais medidas adotadas em vários municípios da RMC.
O Estado também se manifestou a anunciou ampliação da presença de policiais no ambiente escolar e dos sistemas de monitoramento por câmera, treinamento para servidores da educação e criação de um comitê intersetorial para monitoramento dos colégios. O investimento previsto é de R$ 240 milhões.
Calma
Doutora em Educação, a pesquisadora da Unicamp, Danila Di Pietro, estuda casos de violência nas escolas e tem dado palestras sobre o assunto. Para ela, a adoção de políticas públicas que possam restabelecer a convivência ética nas unidades de ensino é uma questão de urgência.
“É algo que precisa ser trabalhado e planejado no cotidiano escolar, do mesmo modo que articulamos outros conhecimentos, como língua portuguesa, geografia, matemática, etc. Isso é urgente e necessário”, reforça.
A educadora justifica a sua posição por meio de dados. Um levantamento do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem) coordenado por ela e pela pesquisadora Telma Vinha, também da Unicamp, aponta que nos últimos 21 anos aconteceram 26 ataques a escolas no Brasil, cujos agentes foram alunos ou ex-alunos.
“Grande parte deles teve, dentro da escola, algum tipo de sofrimento, sentimento de ciúme, passaram por bullying, ou foram alvos de punições que o fizeram se colocar na condição de injustiçados”, afirma. “E a utilização da violência, para essas pessoas, acaba sendo uma estratégia de cura, de restabelecimento de justiça.”
Para Danila, esse comportamento é reforçado pelo discurso de ódio instituído nos últimos anos e pela facilitação do acesso às armas de fogo.
“Passamos por um momento em que houve a legitimação de um discurso violento, de uma banalização da violência e, ao mesmo tempo, da sua valorização, inclusive por autoridades do país. A violência passou a ser uma estratégia dos relacionamentos interpessoais, uma figura de status social, um modo como as pessoas podem instituir a cura e a justiça.”
A proposta da educadora no estabelecimento de um conceito de educação humanizada leva em conta duas frentes: uma focada no corpo docente e outra nos alunos. “Muitos professores não tiveram na sua formação básica uma educação integral”, diz a especialista. “Isso pode ser readequado por meio de uma estrutura atrelada ao conhecimento a valores.”
No trabalho com os estudantes, ela realça a necessidade de implementar em grade curricular questões relativas a uma convivência que valorize o outro. “Seriam discussões sobre racismo, o que significa um discurso de ódio ou como expressar um sentimento sem machucar a pessoa.”
Entre as medidas do governo federal adotadas com urgência, Danila concorda com a regulação das redes sociais e a criação de um canal exclusivo de denúncia que foram anunciadas na última semana. “São medidas que já deveriam ter sido implantadas há muito tempo”, acredita.
Por outro lado, ela questiona a eficácia do reforço policial armado nas escolas.
“Temos dados de pesquisa que polícia armada nas escolas não diminui massacres e ataques armados, pelo contrário, policiamento armado na escola aumenta os conflitos.”
Apesar do clima de tensão, ela sugere equilíbrio, principalmente na utilização das redes sociais. “Não compartilhem ameaças que possam gerar pânico e até reforçar a motivação do agressor. Caso exista alguma desconfiança, existem canais de denúncia oficiais que podem ser acionados.”