Nos últimos 30 dias tive a experiência de conhecer cerca de 30 pessoas novas por conta do meu contexto profissional.
E quando digo conhecer, estou falando sobre conhecer de verdade mesmo: sentar e passar 1 hora querendo saber de fato quem é aquele indivíduo que está na minha frente. Interessado, ouvindo atentamente e fazendo perguntas que me permitissem compreender mais do contexto em que esta pessoa está inserida. Isso me fez pensar muito sobre como costumamos nos apresentar para o mundo.
A primeira coisa que noto ser muito comum de ouvirmos das pessoas quando estamos realmente interessados em conhecê-las e perguntamos algo como: “me conta sobre quem é você?”, é ouvir:
– Nossa, não sei. É difícil falar da gente né?!
– Você quer que fale do profissional ou do pessoal?
– Você quer saber, tipo, onde eu estudei? Meu cargo?
E eu sempre respondo: Me conta como o seu coração mandar! Quero conhecer o ser humano que está sentado aqui na minha frente.
E aí, é muito legal observar as pessoas descrevendo a si mesmas, por meio de suas visões de mundo e por uma ótica que considero mais do coração do que da razão. Tem gente que começa falando da família, tem gente que começa falando da função na empresa, tem gente que começa falando dos defeitos, tem gente que começa falando de onde nasceu, tem gente que começa falando das conquistas, da religião… E por aí vai!
Tenho notado que quando tiro a visão do racional ou curricular e os convido a se apresentar como o coração manda, é quase como se as pessoas tivessem a autorização para retirar todas as armaduras que colocamos (e me incluo) diariamente para sobreviver. Como se abrisse uma ponte que simplesmente conectam dois seres, que antes de qualquer coisa, são humanos!
Percebo que os cargos e titulações deixam de ser o que vem na frente para me outorgar e passam a ser contados como possíveis conquistas fruto de trajetórias, aprendizados, planejamentos, incertezas. Que surge até uma conexão/reconexão com uma sensação de pertencimento e apropriação de quem se é! Percebi mudanças em narrativas como, por exemplo:
Do “Eu sou formado em Administração de Empresas pela instituição X” para “Eu sou o primeiro da minha família a ir para uma faculdade e começar a modificar uma realidade de trabalho que sempre foi braçal!”
Ou “Eu sou um Coordenador da área Y” para “Ainda bem novo, eu precisei começar a vender bolo na rua, mesmo sendo muito tímido! Foi uma das alternativas que encontramos quando meu pai faleceu e precisávamos sobreviver. Hoje, todo mundo fala que me comunico muito bem!”
Mas, peraí Jonas: então você está interessado nas histórias tristes das pessoas? Não. Eu estou interessado no que o LinkedIn, o A4 de um currículo ou a “Bio do Instagram” não conseguem me contar. Estou interessado na trajetória, na vivência, na humanidade, em tudo que atravessa as memórias dessa pessoa e que lhe torna quem ela é hoje. Sinto como se a conversa vai para um outro nível quando vou por este caminho.
Isso é bem próximo de um conceito chamado de Currículo Oculto, que uma querida amiga chamada Daniele Jesus tem levado para o mundo corporativo. Inspirado pelo conceito de mesmo nome da pedagogia, a Dani, que é responsável por selecionar pessoas para uma grande multinacional, traz uma reflexão muito legal quando fala sobre isso em um artigo publicado no LinkedIn chamado Empregabilidade X Periferia:
“É na experiência de vida de uma pessoa que detectamos toda sua potência! (…) Só quem faz universidade (dita de) primeira linha, tem inglês fluente, vivência internacional, sobrenome gringo é que detém conhecimento? Com muita convicção digo que não.”
E quantas vezes ouvimos que sim, né?! Está implícito na nossa cultura e reproduzimos essa percepção de mundo nas nossas formas de nos apresentarmos. Muitas vezes deixamos de nos valorizar inclusive por não termos algumas dessas características e não nos apropriamos de todo o resto que nos compõe. Consequentemente a forma que nos apresentamos para o mundo fica limitada. As vezes dizemos até: “ah, mas eu não sou ninguém”, “eu não vivi nada”, “eu não sou qualificado para nada”. Isso brota lá do fundo da nossa autoestima e até nossa percepção de qual é nosso espaço e até onde podemos chegar.
Em uma entrevista de emprego, por exemplo, quem pergunta, pode perguntar querendo entender mais além dos títulos e cargos ou deixando de separar somente o recorte profissional. Mas, mesmo se não modificarem a forma como nos perguntam (nas entrevistas ou em qualquer lugar), podemos começar a nos apresentar com toda a potência que somos!
Isso requer autoconhecimento, olhar carinhoso para si e para a nossa trajetória e também não separar mais o pessoal e o profissional. Nos vermos como um ser humano só. Um ser integral!
Passei a me apresentar com este foco recentemente – de um olhar integral para mim, menos currículo e mais histórias vividas e acima de tudo, me apresentando como mais um ser humano.
Percebi que este é um formato muito mais gostoso. Percebo que, em geral, abri mais conexões quando os meus títulos ficam em segundo plano para que os meus valores, a minha escuta, os meus aprendizados e minhas vivências venham para o centro da conversa.
Isto, apresentado em harmonia com o espaço para que o outro também se mostre tem me dado uma sensação como se a conversa/conhecer deixasse de ser uma disputa por um espaço e de quem sabe mais/tem mais respostas para um ambiente de troca e aproximação do outro.
Tenho ficado menos interessado em fazer citações de autores ou falando de conceitos e mais interessado em ouvir as citações dos outros, suas conclusões e compor com as minhas próprias conclusões, compartilhando-as, modificando-as e aumentando a minha visão de mundo. As minhas interações têm sido muito mais leves – e isso já é um ganho maravilhoso para mim (e pro mundo, eu acredito, rs)!
Vale ressaltar um ponto: não acho que ter os títulos, entrar em uma boa faculdade, atingir cargos não seja importante! Seria hipocrisia da minha parte dizer isso. Acredito que tudo isso é vivência e aprendizado. Só não acredito que precisamos limitar o “Quem somos” a isso. A ideia é incluir, expandir e se apresentar com tudo o que você é. Valorizando e honrando tudo o que somos e nos compõe!
Tem funcionado para mim e te convido, caso ainda não faça, a experimentar também. Tanto a parte de se apresentar para o mundo quanto para quando for conhecer alguém em qualquer ambiente: no trabalho, numa paquera, numa festa, nas escolas/faculdades… onde quer que seja.
Paradoxalmente, e trazendo toda a minha humanidade, vou terminar com uma citação, do Carl Jung, que não tive o prazer de sentar para uma conversa como as que mencionei, mas que encontrei em uma “conversa de estudos”. A frase diz: “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas. Mas, ao tocar uma alma humana seja apenas uma outra alma humana”.
Que possamos nos encontrar, nos conhecer, conhecer os outros e nos apresentar para o mundo a partir desta perspectiva. Talvez a amorosidade e a empatia residam em uma paralela desse caminho!
Jonas Santos, de 28 anos, mora em Campinas desde os 7 anos e acredita que por meio da educação pode melhorar o mundo dele e dos outros