Dona Maria acorda toda manhã com um desafio pela frente: garantir a sobrevivência diária de um “batalhão”. A tarefa é árdua. Sem estudo, ela mal consegue assinar o próprio nome. Dores nos ossos e um problema no fêmur a impedem de trabalhar. A fé e uma renda mensal de um salário mínimo (R$ 1.212,00) são os únicos recursos da faxineira aposentada para tentar assegurar pelo menos o básico dentro de uma casa na região dos DICs, em Campinas, onde cuida de uma verdadeira creche.
“Aqui sou eu, Deus e meus dez netos”, resume Maria de Fátima Lopes de Lima, de 60 anos.
Hoje, os netos têm entre 7 e 18 anos. Eles foram aparecendo e ficando. E a avó, os acolhendo. “Se aparecer outros, vou pegar para não deixar eles perdidos pelo mundo”, diz a aposentada.
Dona Maria até se atrapalha para identificar cada um. Mas quando a cabeça falha, o coração ajuda. “Três deles têm problema mental”, conta. “E três fui resgatar no Conselho Tutelar já faz tempo, quando eu trabalhava ainda”.
Um dos que vieram do abrigo é Cauan, de 14 anos. “São nove anos que estou com você vó”, contabiliza o garoto, fruto de um relacionamento de uma nora de dona Maria com outro homem. “É neto mesmo sem ser filho do meu filho”, define a aposentada.
Piso de barro
O dia a dia é difícil, mas já foi pior, atesta Priscilla Yared, de 36 anos, que acompanha de perto a vida da família. Integrante de um grupo de amigas que se dedica a trabalhos sociais, Priscilla tem até registrado o dia em que foi à casa no DIC pela primeira vez: 19 de dezembro de 2020.
“Cheguei lá com cestas básicas, dinheiro, mas logo vi que seria necessário muito mais”, conta a voluntária, que ficou chocada com a cena que viu.
“A casa não tinha um pingo de estrutura. O piso em todos os cômodos era de barro e havia apenas três colchões para as dez crianças dormirem”, lembra.
“Elas dormiam no único canto da casa que tinha um pouquinho de cimento, mas era um local úmido e que entrava água, pois o telhado estava quebrado”, descreve Priscilla, que se sentiu na obrigação de agir.
“Como designer de interiores, eu mexo com construção o dia todo e vi a visita como um chamado para mudar aquela situação. Saí de lá com a promessa de que voltaria.”
Os dias posteriores à primeira visita foram de incerteza para a designer. “Sem dinheiro e assustada, não sabia bem o que fazer, mas tinha que cumprir minha promessa. Foi quando resolvi divulgar a situação nas redes sociais e uma rede de solidariedade se formou. A campanha começou no dia 13 de janeiro do ano passado.”
Reforma solidária
Com a ajuda de várias pessoas sensibilizadas com o caso, os recursos começaram a aparecer. “Arrecadei vaso sanitário, pia, torneira, cimento, piso de cerâmica, laminado e porcelanato, entre outros materiais. Compramos tijolos, tintas, revestimentos e tudo começou a acontecer.”
A equipe de obras que trabalhava com Priscilla se prontificou a “colocar a mão na massa” e a reforma teve início no dia 23 de janeiro de 2021. A casa foi rebocada, pintada e o chão de barro deu lugar aos novos pisos.
“O local onde as crianças dormiam foi demolido e fizemos no lugar uma grande cozinha, que era o sonho de dona Maria. Colocamos janelas novas na casa, pois as que tinham eram de material de ferro velho e algumas nem abriam. Não havia entrada e circulação de ar e nem luminosidade”, conta Priscilla, que também conseguiu doações que possibilitaram reforçar o telhado para impedir a entrada de água na casa. A reforma foi concluída em abril do ano passado.
Mais dificuldades
Dona Maria celebra a transformação pela qual a casa passou, mas conta que a vida segue difícil. Hoje, além dos netos, ela acolhe também um ex-marido que não via há 36 anos.
“Ele apareceu em casa. Passou por cirurgia na próstata e precisa de fraldas”, diz a aposentada, cuja rotina se resume em correr atrás do sustento, comprando cesta básica fiado e buscando doações.
“É difícil, passo por muitas humilhações, mas Deus me ajuda”.
A motivação para seguir na batalha é o amor pelos netos. “São eles que me fazem viver na vida.”
Serviço
Quem desejar ajudar a dona Maria e seus netos pode entrar em contato com a Priscilla pelo telefone 19-98801-2533