Em 2019, a convite do Ministério da Saúde e representando o Conselho de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS), participei ativamente do 26º Congresso Europeu sobre o tema na cidade de Glasgow, Escócia. Durante este evento, pude me dar conta da gravidade e importância do tema em todo o mundo.
Pude ainda concluir que não há consenso em termos mundiais e que muitos países do chamado primeiro mundo ainda não dão a devida importância a este grave problema de saúde pública. O Brasil, apesar de nossas dificuldades, foi pioneiro no enfrentamento e nas políticas públicas sobre sobrepeso e obesidade tendo sido um dos primeiros países no mundo a considerar este problema como doença crônica e fator de risco para inúmeras outras doenças de alta prevalência em nossa sociedade. Pude concluir ainda, que faço parte desta casuística….
Sabemos que há uma extraordinária carga de doenças atribuíveis ao aumento do índice de massa corporal (IMC).
Assim, 58% dos casos de diabetes tipo 2, 39% de hipertensão arterial sistêmica (HAS), 32% dos tumores de endométrio, 23% dos AVCs isquêmicos, 21% das doenças isquêmicas do coração, 13% das osteoporoses, 12% dos tumores de cólon e reto, 8% dos tumores de mama na pós-menopausa, dentre outros, estão possivelmente associados ao aumento do IMC. Estima-se que US$2,1 bilhões anuais possam ser os custos globais com todas as doenças relacionadas ao sobrepeso e à obesidade, sendo US$ 1,4 bilhão por internações e US$ 679 milhões à procedimentos médicos. A taxa global de mortalidade relacionada ao IMC elevado é de 7,1%, aproximadamente.
Aplicando-se este dado ao número de óbitos notificados no Brasil no período anterior à pandemia do SarsCov2, a obesidade poderia ser responsável por cerca de 100 mil óbitos por ano. Se considerarmos as mortes relacionadas ao risco metabólico, poderia chegar à mais de 180 mil casos por ano.
Os esforços para mitigarmos este problema estão no foco da prevenção, adequada alimentação (quantitativa e qualitativa) e atividade física.
Desde 1999 quando foi implantada a “política nacional de alimentação e nutrição” (PNAN) o Brasil vem desenvolvendo uma série de ações e que culminaram nos anos de 2016-2019 nos importantes acordos para redução do sódio e do açúcar nas indústrias de alimentos e bebidas bem como na nova modalidade de rotulagem dos vários alimentos industrializados. Alguns marcos fundamentais são: a definição de obesidade como doença crônica; a redução da obesidade e sobrepeso nas crianças, adolescentes e interrupção nos adultos; estímulo a criação de locais para a prática da atividade física; a estruturação de vigilância alimentar e nutricional com campanhas de comunicação; a preparação de equipes multiprofissionais para garantia da linha de cuidado clínica e psicológica e, finalmente, a conscientização e a orientação dos consumidores.
O relatório da Sociedade Civil sobre doenças crônicas não transmissíveis no Brasil publicado em 2019 mostrou que este esforço obteve algum resultado com destaque a redução do consumo regular de refrigerantes cinco vezes na semana e que caiu de 29,8% para 14,6%. Entretanto, este mesmo relatório mostrou que as metas de redução da obesidade não foram cumpridas. A melhoria da linha de cuidado destes pacientes houve, mas foi pequena. Temos ainda dificuldade para fornecer um acompanhamento clínico eficaz.
Certamente, este problema se agravou na pandemia onde o isolamento e o distanciamento social foram necessários.
O sistema de saúde precisa promover um acompanhamento qualificado e não apenas responsabilizar os pacientes pelos hábitos não saudáveis. Neste aspecto, é fundamental o fortalecimento da atenção primária e estratégia da saúde da família com melhor preparação dos profissionais de saúde para atingirmos mais rapidamente nossos objetivos. Há necessidade de cuidado multiprofissional e ampliação do conhecimento com pesquisas aplicadas ao tema.
A Unicamp criou um Centro interdisciplinar e multiprofissional dedicado exclusivamente ao estudo, ao ensino em vários níveis e às pesquisas. Inúmeras publicações de grande impacto têm sido feitas por este grupo nos últimos anos. Experiências internacionais como as desenvolvidas em Israel e Reino Unido podem ser grandes balizadores de nossas ações.
Fizemos no âmbito da Secretaria Municipal de Saúde de Campinas em 2019 uma análise de mais de 280 mil prontuários médicos da rede de atenção primária e pudemos concluir que nossa situação não é diferente e também é bastante preocupante.
Será fundamental aprimorar as políticas públicas neste campo da saúde.
Será fundamental entender a realidade epidemiológica, identificar as dificuldades e efetividade dos programas existentes e estabelecer programas profissionais para aprimorar a atenção aos pacientes portadores de obesidade e de sobrepeso.
Carmino Antonio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020