A janela de transferências de 2023-2024 teve recorde de valor. As compras e empréstimos realizados por times de futebol de todo o mundo totalizaram quase R$ 40 bilhões de reais.
Alessandro Buongiorno, atleta do Torino, da primeira divisão italiana, não figurou nesses números. Ele, torcedor do time que defende desde sua infância, recusou uma proposta do Atalanta e permaneceu no Toro, como é carinhosamente chamado seu time. O montante recusado foi de 25 milhões de euros, e Alessandro deixou de receber um aumento de cerca de 500 mil euros anuais (hoje ele ganha 900 mil euros por ano, ou seja, tratava-se de um aumento de mais de 50% em seu saldo bancário).
O jogador é também formado em Economia e Comércio e sabe bem o valor dos bens, assim como o seu técnico, Juric, o qual disse apenas alguns meses antes, que todos os jogadores do Torino tinham um preço, menos Alessandro. O técnico se referia a questão de ele não ser “vendável”, mas as palavras quase proféticas tornaram-se em uma dupla realidade. Seu valor é que não tem preço! O grego Diógenes provavelmente apagaria sua lanterna se encontrasse Alessandro pelo caminho.
No entanto, Buongiorno é um dos últimos. A Arábia Saudita representou mais de 10% do valor das transferências (R$ 4,5 bi), contratando nomes consagrados do futebol mundial como Benzema e Neymar (Cristiano Ronaldo já estava lá).
É claro que todos esses jogadores de renome não têm necessidades de dinheiro. Já são ricos para suas próximas incontáveis gerações, muito diferente de Alessandro. Mas, aceitaram jogar na Arábia Saudita, e ao serem coniventes com o dinheiro que vão receber, tornam-se cúmplices do regime para o qual trabalham. Seu empregador é o regime saudita, que, tendo como inspiração o Qatar e sua experiência na Copa do Mundo, utiliza o futebol como instrumento para maquiar a imagem de uma ditadura que não respeita a diversidade nem o direitos humanos. Os jogadores são usados, direta ou indiretamente, como veículo de propaganda. É muito pior que a política do pão e circo romana.
E não basta só o dinheiro. Também precisa do suco de açaí preferido na geladeira, claro, um pedido imprescindível do craque brasileiro Neymar Jr. Tantos privilégios…
Certo que os jogadores não fazem nada de irregular para ganhar seu dinheiro, mas o valor astronômico que eles recebem deveria ser considerado imoral no planeta em que vivemos.
E, além disso, o futebol faz reluzir quão machista é a sociedade. Nele deve haver a maior discrepância entre o salário dos homens e das mulheres. Absurdo.
Mas, já é de algum bom tempo que não o é futebol, são só negócios. Para não esquecer:
Em terras brasileiras:
⇒ os jogadores brasileiros aceitaram jogar a Copa América no Brasil enquanto milhares de brasileiros morriam pela Covid;
⇒ não fizeram nada à luz das acusações de assédio contra o então presidente da CBF, que veio à tona pouco antes de um jogo das Eliminatórias;
⇒ Cuca – condenado por estupro na Suíça – continuou a jogar no Brasil e depois tornou-se treinador, e trabalhou por muitos anos sem levantar suspeitas. Até que finalmente, em 2023, após ser contratado pelo Corinthians, o jornalismo investigativo revelou o processo que o condenou na Suíça.
⇒ Robinho – condenado a prisão por estupro na Itália. O aparelho escondido que a polícia italiana colocou em seu carro na Itália gravou a sua confissão. Mas aqui no Brasil vive livre com os “parças”.
⇒ Daniel Alves – o cara que “transcende o futebol”, nas palavras do ex-técnico da seleção brasileira, Tite, é acusado de estupro na Espanha, e está preso aguardando julgamento;
Teve também jogador brasileiro que foi para a Arábia recentemente para abaixar a poeira após acusação de ter agredido a sua ex-mulher, e depois voltou. Sempre como ídolo.
Em terras italianas:
Enquanto Alessandro Buongiorno mostrou o que é ter todo o valor e nenhum preço, o ex-técnico da seleção italiana, Roberto Mancini deixou a seleção de seu país e foi treinar exatamente a da Arábia Saudita.
Gustavo Gumiero é sociólogo e escritor – gustavogumiero.com.br