Em 1979, quando o técnico Antonio Rizola Neto chegou no Guarani para trabalhar com as equipes femininas de vôlei do clube, Cuba e Peru eram as referências latinas do esporte. Os anos se passaram, os dois países perderam prestígio, enquanto o Brasil ascendeu mundialmente. Agora, depois de somar conquistas com as seleções brasileiras de base e principal e colocar a Colômbia no mapa do vôlei, Rizola é desafiado a resgatar a tradição de uma seleção que já serviu de espelho a si próprio.
“Estou assumindo uma carga que, espero, não seja mais pesada do que a que eu consigo carregar, porque a minha referência no volleyball, quando comecei, era Cuba e Peru, que hoje estão se recuperando”, conta Rizola.
Na última semana, o técnico nascido em Itapira assinou contrato com a Federação Peruana de Vôlei, com validade de três anos – renováveis por mais dois. Rizola é um misto de euforia, preocupação e orgulho.
Colocar o vôlei peruano de volta no cenário internacional é uma tarefa que vem acompanhada de saudosismo, responsabilidade e o peso de um passado que não foi esquecido pelo país.
“É impressionante o quanto os peruanos ainda são apaixonados pelo vôlei e idolatram aquela geração de sucesso. Eu mesmo tinha nas peruanas uma referência de trabalho quando comecei. Pois agora precisamos de muito empenho para devolver a eles o prestígio que nunca deveriam ter perdido”, descreve o treinador.
Quando Rizola chegou ao Guarani, aos 21 anos de idade – hoje está com 65 –, o vôlei era muito diferente, geograficamente e tecnicamente falando. Eram tempos de União Soviética, Cuba, China e Coreia. As peruanas eram as “pedras do sapato” das potências, até se tornarem uma delas.
Na conta do vôlei do Peru tem uma prata olímpica, em Seul 1988, um vice-campeonato mundial, um bronze no World Top Four, oito medalhas nos Jogos Pan-Americanas (cinco pratas e três bronzes, no período em que Cuba era dominante) e 12 títulos sul-americanos.
Rizola chega tendo como antecessores grandes nomes do esporte mundial. Nas décadas de 1960 e 1970, o técnico japonês Akira Kato deu o empurrão inicial do vôlei peruano, que depois decolou pelas mãos do sul-coreano Man Bok Park, na década 1980.
A última conquista continental peruana foi em 1993 – ano que marca o início da derrocada, momento em que o Brasil já dominava a América do Sul e Cuba ainda metia medo nas seleções.
A Colômbia
Rizola foi anunciado como treinador da seleção peruana feminina de vôlei no final da semana passada. Foi um namoro longo que terminou em compromisso. Quando ainda dirigia a seleção colombiana, o treinador foi procurado por dirigentes peruanos.
“Os peruanos revelaram o interesse em me contratar há anos atrás, mas não quiseram interferir no meu trabalho na Colômbia e disseram que, se um dia eu saísse de lá, me contratariam”, recorda.
O treinador trabalhou sete anos com o vôlei colombiano, desenvolvendo a proposta de fortalecer da base ao time adulto. Nesse período, o país pulou de 28º para 16º lugar no ranking mundial. “Em todas as categorias nós fomos campeões, nos classificamos para o Mundial pela primeira vez e também para o Pré-Olímpico. Fomos prata nos Jogos Pan-Americanos”, lista.
As negociações para renovação com a Colômbia, iniciadas em setembro passado, não evoluíram. Foram meses de negociações até a mudança de rumos definida poucos dias atrás.
“O país fez um corte grande de verbas no esporte coletivo e direcionou os investimentos a modalidades individuais, que trazem mais medalhas, como atletismo e ciclismo. O dinheiro para o vôlei foi reduzindo – e muito – nos últimos anos. Como não houve acordo para a renovação da nossa proposta de trabalho, o Peru me procurou e acertamos”, detalha.
Desafios peruanos
Reaver a tradição do vôlei feminino peruano vai demandar tempo e muito trabalho. Ao contrário da Colômbia, Rizola explica que o Peru tem escassez de jogadoras com o biotipo indicado às exigências atuais do vôlei. Estatura e força são essenciais à modalidade na forma como é praticada hoje em dia.
Boa parte do trabalho de Rizola será “peneirar” talentos pelo país. “Fiz isso na Colômbia e farei novamente no Peru. O Peru tem mais atletas que a Colômbia, mas com menos qualidades anatômicas que a Colômbia. Dividi o País em oito macrorregiões e vou visitar todas elas”, adianta. “A questão do biotipo é essencial, porque talento a gente consegue desenvolver numa atleta que tem vontade de aprender”, analisa.
A preocupação é legítima. Quatro décadas atrás, quando o Peru se colocou entre as potências mundiais, estatura já era um diferencial de qualidade. Natália Málaga, de 1,70m, e Rosa Garcia, de 1,75m, eram jogadoras do tipo “fora de série”, até pela baixa estatura. Por outro lado, Cecilia Tait e Gabriela Pérez – que entraram para o Hall da Fama -, com 1,85m e 1,94m, respectivamente, eram as “gigantes” da seleção, em todos os sentidos.
A carência de jogadoras de biotipo adequado foi levantada na coletiva de imprensa de apresentação do treinador brasileiro, em Lima. Rizola arrancou gargalhadas dos jornalistas ao revelar o método de trabalho a ser adotado na garimpagem de talentos.
“Falei que iria aplicar dois testes super atualizados, baseados em estudos científicos avançados, para selecionar atletas acima de 1,80m. Se a jogadora souber andar, passou no primeiro teste. Se conseguir respirar, então passou no segundo teste”, brincou, parodiando a necessidade de buscar na quantidade a qualidade exigida.
Ainda na coletiva, Rizola fez a promessa de trabalhar para tentar recuperar o lugar de onde o Peru nunca deveria ter saído, de liderança na América do Sul. “Eu perdi muito para o Peru, a primeira vez conseguimos ganhar deles foi em 1991, na classificatória olímpica com a seleção brasileira”, recorda.
Para auxiliar nessa tarefa desafiadora, o treinador levará do Brasil o técnico Marcello Bencardino, com quem já trabalhou nas seleções de base do Brasil e que há 12 anos cuida da formação de talentos no Minas Tênis Clube, uma referência do vôlei nacional.
O trabalho começa no próximo dia 20, recheado de estímulos e incitações.
“É o maior desafio que já enfrentei e vou enfrentar. Estou como aquele profissional que chegou ao Guarani em 1979, motivado tanto quanto aquele moleque que saiu da faculdade para ser preparador físico”.