“A primeira reação foi um susto. Os pensamentos brotavam de forma desorganizada. Mas havia um entendimento, de que uma viagem começava e que me levaria a um lugar desconhecido.” Dessa forma a documentarista campineira Ariane Porto, de 58 anos, resume as sensações que a tomaram quando ela foi diagnosticada com um câncer invasivo de mama em 2018. Com um celular, ela passou a gravar os sentimentos gerados a partir desse mergulho interior. E o resultado foi um relato intenso de reflexão registrado no documentário ‘Mama minha!’.
O trabalho recebeu o prêmio de melhor longa-metragem no Paris Women Festival no final deste mês de novembro e está disponível para visualização no taoplay.com.br e no site taoproducoes.com.
O filme mostra a viagem interior da cineasta por meio de relatos, desde o momento do diagnóstico da doença, passando por todas as etapas da busca pela cura.
“Senti algo estranho, um caroço na mama em 2017 e, no ano seguinte, veio a confirmação do câncer”, conta a documentarista, que se submeteu a duas cirurgias, quimioterapias e radioterapias ao longo dos últimos quatro anos.
“Nada diminui a dor física. O que consegui foi dialogar melhor com a dor emocional e tentar evitar sequelas emocionais, já que as físicas são inevitáveis”, explica a cineasta, ressaltando a necessidade de comunicação gerada a partir do drama. “Precisava abrir meu coração sem filtros, sem censura”, confessa. “Se eu não tivesse feito o documentário, jamais conseguiria expressar o que passei”.
Apesar do tema árido, o filme é um relato de luta e otimismo e uma declaração de amor à vida. “O câncer é uma doença silenciosa por dentro e por fora. Ou seja, as pessoas evitam falar sobre o tema, o que acaba colocando os pacientes na penumbra. Esse preconceito é tão nefasto quanto a doença, pois aprofunda o sentimento de solidão e a falsa ideia de que o diagnóstico é uma sentença de morte. Muitas vezes, é uma sentença de vida”, declara a cineasta, que, por meio do documentário, espera estabelecer uma forte conexão transformadora de comunicação. “É um relato que será importante para pessoas que passaram, passam ou passarão por isso.”
O processo de aprendizado e reflexão ora é narrado com a densidade da dor, ora com o encantamento da beleza, refletido no registro de mergulhos da cineasta nas águas da Indonésia, um sonho realizado depois de muita batalha.
“Eu estava me preparando para essa viagem às ilhas Raja Ampat, na Indonésia, quando descobri o câncer e tive que parar com tudo. Só fui liberada a entrar no mar quando minhas condições físicas estavam bem deterioradas. Foi uma outra batalha, mas consegui vencer essa também. Mergulhei na cura e na descoberta de um novo mundo: no fundo do mar e no fundo de mim mesma”, declara Ariane, que filmou as cenas submersas com câmera GoPro.
Hoje, Ariane ainda toma quimioterapia oral todos os dias e faz exames quase que mensalmente. “Tenho restrições de movimento no braço direito”, conta. “Os cuidados seguem e sempre seguirão, assim é o tratamento oncológico”, completa, acrescentando que a transformação do ser interior “também continua”.
“A viagem não terminou, mas me sinto uma viajante mais experiente. Consigo entender o que realmente importa. Eu sempre falo: façam sempre o autoexame, mas não apenas físico. A viagem dura a vida toda. Não estamos só de passagem. Somos passageiros.”
Circuito
O documentário ‘Mama minha!’ teve uma pré-estreia em agosto no Ecocine-Festival internacional de cinema ambiental e direitos humanos, mas Ariane ainda espera fazer um lançamento presencial em Campinas até março de 2023.
“Estamos começando a pensar em um circuito, com exibições e rodas de conversa”, afirma a cineasta, que já dirigiu mais de 30 documentários, além de séries televisivas e longas para cinema.
Ariane adianta ainda que o tema do câncer de mama seguirá em debate também em outro documentário. Junto com a psicóloga Maria Carolina Botequio de Moraes, a cineasta colhe depoimentos de mulheres que tiveram ou têm a doença para a produção do “Mama nossa!”. “Temos outras trajetórias para narrar”, afirma.
Sobre o prêmio no Paris Women Festival, a campineira admite ter sido pega de surpresa. “Melhor longa-metragem, confesso que não esperava. Cheguei à semifinal e já estava feliz. Quando entraram em contato comigo comunicando que havia ganho, fiquei sem palavras”, diz Ariane Porto, revelando um comportamento até contraditório para quem sobram palavras capazes de premiar a alma humana.