A violência política que se desenhou no Brasil a partir do movimento de 2013, quando milhares de pessoas foram às ruas para rejeitar o establishment brasileiro, teve o seu auge no desfecho da eleição presidencial do ano passado. Há muito tempo no País há um sentimento de repulsa à elite sociopolítica, encastelada em seu mundo de benesses, emendas e operações secretas. O ovo da serpente estava devidamente colocado na cena.
Esquerda e direita, por sua vez, foram ao longo dos anos defendendo seus pontos de vista e construindo suas narrativas. A chegada de Jair Bolsonaro ao poder sela uma guinada na forma de fazer política e no ideal de representação republicano. Pelo menos, era assim que seus apoiadores mais ferrenhos entendiam.
No Planalto, Bolsonaro, porém, desdenhou de temas importantes ao modo de vida civilizatório.
Debochou da ciência, minimizou as mortes da pandemia, incendiou as redes sociais, flertou perigosamente com discursos golpistas e atraiu militares com perfil de insubordinação ao Estado Democrático de Direito.
A esquerda, por meio de Lula, volta ao poder sem fazer a devida autocrítica de seus graves erros das gestões passadas.
Ao insistir na retórica grandiloquente de seu líder, o PT perdeu a chance de se reencontrar com parte da opinião pública e de corrigir rotas de um passado de desacertos e corrupção. No embate dos dois polos extremos, a polarização política foi se acentuando e, por um triz, a democracia resistiu.
É neste sentido que este 8 de janeiro se faz uma data histórica, similar a outras do calendário nacional.
Se 8 de janeiro de 2023 foi o dia da barbárie perpetrada por alucinados apoiadores do movimento de extrema direita, por outro foi o dia em que a democracia resistiu. Seus pilares chegaram a ter ranhuras e, hoje se sabe, houve mais do que militantes descompensados depredando as sedes dos Três Poderes, em Brasília.
É de conhecimento de parte da sociedade que havia, sim, financiadores de um movimento para quebrar a espinha dorsal do sistema, afastar Lula, que foi eleito democraticamente, e instituir uma visão ditatorial de ideias, costumes e de ação política. Desta aventura golpista alguns militares eram signatários, mas não ganhou adesão da cúpula das Forças Armadas, que manteve-se longe, até onde se sabe, de cair na esparrela de um golpe de Estado.
Pesquisa ampara visão democrática
Pesquisa publicada neste 8 de janeiro pelo Hora Campinas, com base em levantamento da Quaest, revela que nove entre dez brasileiros rejeitam as invasões aos prédios dos Três Poderes ocorridas em 8 de janeiro do ano passado na capital federal. Os atos, que resultaram em depredação do patrimônio público e prejuízo ao Erário, são aprovados, no entanto, por 6%. Quatro por cento não souberam ou não quiseram responder.
Os dados são de pesquisa de opinião realizada pela empresa entre os dias 14 e 18 de dezembro de 2023, por meio de 2.012 entrevistas presenciais com questionários estruturados junto a brasileiros com 16 anos ou mais, em 120 municípios.
Tanto apoiadores de Lula quanto de Bolsonaro, majoritariamente, condenam o modo de reação violenta evidenciado pelo 8 de janeiro.
Um balanço resumido da pós-barbárie denota que as instituições funcionaram, que a impunidade não deve prevalecer e que os financiadores e os golpistas terão uma pena proporcional a seus atos. Excetuando visões jurídicas diferentes sobre o peso de cada condenação, vale destacar que o Supremo Tribunal Federal (STF), defenestrado na guerrilha de narrativas da extrema direita, tem se mostrado sólido e eficiente no enfrentamento das aventuras que atentam à democracia.
Quem tem vindo a público nesses dias definir o 8 de janeiro como mera baderna e minimizar o impacto dos ataques aos poderes presta um desserviço ao Brasil. Tentar subestimar as ações daquele dia sob o argumento de que não se dá golpe sem armas é contrariar a lógica e depreciar a história.
A democracia brasileira resiste porque há um escudo social que une jornalismo profissional, instituições sólidas e população pacífica. O brasileiro, na prática, quer ter uma vida de estabilidade econômica, com uma representação política minimamente aceitável. Se quem estiver no poder não mais os representa, troca-se pelo voto, a verdadeira arma da democracia. É assim que se constrói uma nação, com civilidade e sem alucinações golpistas.
Marcelo Pereira é editor-chefe do Hora Campinas