Os debates a respeito dos direitos das mulheres na sociedade ainda necessitam de muitos avanços para se chegar a um cenário ideal. Houve época, no entanto, em que não se discutia o assunto e a dependência em relação ao homem chegava a ser a única forma de sobrevivência para elas. Antonia Bárbara de Souza, hoje com 84 anos, conhece bem a realidade de uma época em que as mulheres não tinham voz. E ainda jovem sentiu na pele a dor da discriminação quando sua alternativa de vida foi lançar mão das próprias forças que nem imaginava ter.
Viúva e mãe de quatro meninas pequenas com apenas 29 anos de idade. Assim Antonia se viu no mundo no final de 1967, quando o marido Custódio José de Souza morreu aos 36 anos, vítima de complicações da doença de chagas.
Quem lembra bem desse tempo é a filha mais velha de Antônia, Maria de Fátima, na época com 8 anos. “Meu pai era administrador da Fazenda do Rosário, em Guaíra, e tínhamos tudo. Com a morte dele, ficamos sem nada. Minha mãe teve de deixar a fazenda com as filhas e se viu perdida, sem saber o que fazer. Passamos por uma situação terrível. Nem tínhamos o que comer. Chegamos a uma pobreza extrema”, lembra Maria de Fátima, hoje com 63 anos.
E na busca por um caminho, a viúva sentiu o peso da discriminação até mesmo entre aqueles nos quais projetava acolhimento.
“Os pais dela, meus avós, permitiram que ela morasse com as crianças no fundo da casa deles, no Jardim Proença, em Campinas, mas com a condição de que pagasse aluguel, água e luz”, lembra Maria de Fátima.
Acordo aceito, começava naquele momento a saga da jovem viúva numa sociedade machista em busca de um emprego. E trabalhar, sem descanso, foi sua sina, ou salvação.
“Era de segunda a segunda”, conta a filha Maria de Fátima. “Ela foi faxineira, babá e ainda levava roupas para lavar e passar em casa. Eu e minhas irmãs ficávamos sozinhas. Não via minha mãe parar para descansar.”
Seus direitos, Antonia adquiriu por meio da ajuda voluntária de pessoas que passaram pelo seu caminho. “Uma de suas patroas sugeriu que ela se regularizasse como autônoma e a orientou. Aposentadoria, incluindo a do meu pai, ela só foi saber que tinha direito quando eu, já com 20 anos, a alertei”, relembra a filha.
Abuso e sofrimento
Antonia tem 21 irmãos e um deles causa repulsa em Maria de Fátima, sintoma de um trauma de infância. “Ele abusou de mim sexualmente quando tinha 9 anos. Denunciei, mas ninguém acreditou em mim”, relembra, citando uma realidade que, infelizmente, ainda é comum atualmente. “Foi mais uma dor para minha mãe, pois ela sabia que eu falava a verdade, porém não tinha a coragem de reconhecer.”
A vida seguiu para Antonia: dor, força, trabalho, criação das filhas, fragilidades também e ainda mais um casamento, que durou pouco mais de 20 anos, interrompido com a morte do segundo marido.
Hoje, em sua casa no Jardim Proença, Antonia continua independente, da mesma forma que aprendeu a viver desde quando o primeiro marido se foi. Fora a osteoporose e a perda de massa muscular, a saúde segue intacta.
E apesar de seguir sem consciência dos direitos da mulher, inconscientemente os aplica na vida, ajudando as quatro filhas, nove netos, oito bisnetos e as enteadas.
“Ela vive mais para os outros do que para si mesma. Talvez porque não queira que a família passe pelas situações que ela passou”, analisa a filha, que vê a história da mãe como inspiração de luta para as novas gerações de mulheres.