Mais uma vez as atenções globais estão voltadas para as eleições presidenciais norte-americanas, que acontecem no próximo dia 5 de novembro, terça-feira, embora as votações já tenham começado. As diferenças são enormes entre a candidata oficial, a atual vice-presidente democrata Kamala Harris e o ex-presidente Donald Trump, de um Partido Republicano que em parte não o queria postulando um novo mandato.
Qualquer que seja a nova ou o novo presidente, o resultado terá grande influência em importantes temas planetários, o combate às mudanças climáticas entre eles. A vitória de Kamala, além de representar a vitória de uma mulher negra sobre um candidato que já fez várias declarações de cunho sexista e racista, significará a continuidade ou eventualmente ampliação da agenda da transição energética protagonizada no atual governo do presidente Joe Biden.
Em seu mandato, Biden editou a Lei de Redução da Inflação (IRA, na sigla em inglês), para estimular a transição energética e a descarbonização da economia por meio do incentivo à energia renovável e à produção de veículos elétricos. Mais de 300 projetos foram anunciados por grandes investidores em vários estados, com a geração de mais de 100 mil empregos. O investimento estimado é de US$ 125 bilhões.
Biden foi coerente, portanto, com a sua decisão de novamente inserir os Estados Unidos no Acordo de Paris, firmado em 2015 e que prevê esforços conjuntos internacionais pelo incremento de no máximo 1,5 grau de temperatura, por meio da redução das emissões de gases que agravam o efeito-estufa, notadamente o dióxido de carbono (CO2) e Metano (CH4). Os EUA voltaram ao Acordo de Paris depois de saírem durante o primeiro governo de Donald Trump (janeiro de 2017 a janeiro de 2020).
Outras ações relevantes de Biden foram o corte das importações de petróleo da Rússia, após a invasão da Ucrânia, e a paralisação das licenças de terminais de exportação de gás natural. Essa decisão, em especial, gerou uma forte disputa entre a Casa Branca e os governos estaduais republicanos, que continuam defendendo a exploração e exportação de combustíveis fósseis como o petróleo e o gás natural.
Nesse sentido, a expectativa internacional é que uma vitória de Kamala Harris represente novos avanços em termos de maior protagonismo dos Estados Unidos no enfrentamento das mudanças climáticas. A atual vice-presidente tem um precedente importante nesse sentido.
Como procuradora-geral da Califórnia, ela entrou com várias ações contra empresas petrolíferas por derramamentos de óleo e outras modalidades de poluição. E já se manifestou favorável a ações contra as empresas de fósseis nos moldes dos processos contra empresas de tabaco que resultaram em acordos bilionários a favor dos consumidores afetados pelo vício nos cigarros.
Por outro lado, uma vitória levaria os EUA a uma direção totalmente contrária. Provavelmente o país de novo sairia do Acordo de Paris, o que seria um grave golpe em um momento de aceleração das temperaturas globais, com as repercussões já conhecidas, como as temporadas mais intensas de furacões no próprio território norte-americano.
Quando Trump anunciou a retirada dos EUA do Acordo de Paris, já foi uma clara mensagem que incentivou outros líderes ultraconservadores a diminuírem seu envolvimento em ações de enfrentamento das mudanças do clima. Agora, seria fatal para as negociações que já duram décadas e ainda não levaram a resultados positivos, muito pelo contrário. A cada ano se agrava a emissão de gases de efeito-estufa derivados da queima de combustíveis fósseis.
Nesse sentido, o resultado das eleições nos Estados Unidos (que na realidade pode demorar a sair, considerando o complicado sistema eleitoral daquele país, onde nem sempre quem ganha a votação popular é chancelado presidente pelo Colégio Eleitoral) influenciará diretamente na COP-29 do Clima, que acontece entre 11 e 22 de novembro em Baku, no Azerbaijão que, curiosamente, é conhecido como o primeiro “petroestado”, por explorar os fósseis há décadas.
As expectativas para a COP-29 já não são positivas, considerando a própria sede do evento e os relatórios recentes que foram divulgados, reafirmando que o planeta caminha rapidamente para elevação das temperaturas muito acima do 1,5 grau previsto no Acordo de Paris, meta que já não livra o mundo dos eventos climáticos extremos como os ocorridos no Brasil, com enchentes históricas no Rio Grande do Sul e a recente escalada de queimadas em grande parte do território nacional, agravadas por crimes ambientais e pelas temperaturas elevadas para a época do ano.
Em síntese, esses relatórios recentes mostram que, confirmadas as tendências atuais de redução das emissões de gases de efeito-estufa (GEE), as temperaturas podem subir até 3 graus até o final do século 21, ou o dobro do Acordo de Paris, com consequências imprevisíveis em todo planeta. Mais secas severas ou inundações extremas, com milhares de mortes e milhões de refugiados do clima.
Ocorre que grande parte dos países que anunciam sua intenção de acelerar a transição energética, com a descarbonização da economia, têm práticas carregadas de dubiedade, de contradições. Veja-se o caso do Brasil, que pode ser um líder global na descarbonização, a começar por sua matriz elétrica já majoritariamente limpa, pelo uso de energia hidrelétrica e outras fontes que avançam, como a solar e eólica.
Por outro lado, membros do governo federal, de qualquer coloração partidária, continuam apoiando na prática projetos de exploração de fósseis. No atual governo Lula, que tem uma ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima afinada com as demandas planetárias, há muitas vozes favoráveis ao incremento da produção de petróleo pelo Brasil, inclusive em locais sensíveis como a foz do rio Amazonas.
Um exemplo notável é bem recente. No último dia 24 de outubro, em aula aberta na Coppe, instituto de pós-graduação em engenharia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a diretora executiva de Exploração e Produção da Petrobras, Sylvia Anjos, voltou a defender a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, na chamada Margem Equatorial.
Uma das afirmações polêmicas de Sylvia Anjos na oportunidade foi a de que “os grandes dois vetores que importam (para o aquecimento global e as mudanças climáticas) são: o Sol, que não é constante, a emissão solar varia; e a posição da Terra, que varia”. Uma posição claramente contrária ao que afirmam o conjunto dos cientistas, por exemplo aqueles reunidos no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), para quem as atuais mudanças do clima são, sim, em sua maior parte consequência da emissão cada vez maior de gases de efeito-estufa derivados de ações humanas, como a queima dos combustíveis fósseis e mudanças no uso da terra como os desmatamentos que, aliás, diminuíram significativamente nos dois anos do terceiro governo Lula.
Haja contradições.
Depois há reclamação de por que o eleitorado, confuso com tanta dubiedade, eventualmente não vê firmeza em governos afinados com discursos e práticas humanistas e civilizatórias e vota em outras propostas.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: [email protected]