Reportagem Especial de
Eduardo Martins e Gustavo Magnusson
Neste mês de março, o futebol brasileiro completou um ano sem torcida nos estádios, em virtude das restrições impostas pela pandemia do novo coronavírus. Um ano singular, sombrio, em que o próprio futebol e os torcedores forçosamente reinventaram a forma de acompanhar os clubes do coração. O Hora Campinas mostra, em uma série de quatro reportagens, histórias de bugrinos e pontepretanos para reforçar que uma paixão repousa, mas não morre. Que o futebol é alento e esperança. São tempos difíceis, porém, ainda há alegria em ver a bola rolar. Da maneira que der. Acompanhe a seguir a terceira história, que traz reações diferentes para o mesmo percalço: a distância das arquibancadas
Para a pontepretana fanática Maria Luiza Volta, mais conhecida como Tia Luiza, esse período de quase 400 dias longe do estádio Moisés Lucarelli vem sendo muito cruel. “É uma situação muito triste, você nem imagina o quanto estou sofrendo. A coisa que eu mais amo na vida é assistir jogos da Ponte Preta, então está sendo muito deprimente. Não vejo a hora de voltar. Eu sei que é para o nosso bem, mas dá vontade até de chorar”, lamenta Tia Luiza.
Dentre outras coisas, a torcedora de 72 anos sente falta de ajudar a coordenar a entrada das crianças com os jogadores na subida ao campo. “As pessoas me ligavam para dar nome e idade e eu deixava tudo marcadinho para o dia do jogo”, explica Tia Luiza, que frequenta o Majestoso desde o início dos anos 1950. “Eu tinha cinco anos e a primeira coisa que perguntei foi onde estava o homem que gritava gol, pois achei estranho não ouvir ninguém narrando os lances. Minha mãe, então, apontou para as cabines de rádio”, relembra.
O último jogo com presença de público no Brinco foi em 28 de fevereiro de 2020, no empate por 0 a 0 com o Água Santa, pelo Paulistão. Já a última vez que o Moisés Lucarelli recebeu torcedores foi no dia 12 de março, quando a Ponte bateu o Afogados-PE por 3 a 0, pela Copa do Brasil.
Se antes da pandemia ela tinha o ritual de assistir o primeiro tempo no alambrado da geral e a segunda etapa nas sociais, agora não resta outra alternativa senão ficar em casa ouvindo os jogos pelo rádio. “É mais emocionante do que a TV, mas o gol sai primeiro no rádio, então não posso gritar porque senão o pessoal fica bravo comigo”, brinca Tia Luiza, que ganhou o título de Cidadã Pontepretana no dia 11 de agosto de 2016, data do aniversário do clube.
Vizinho incomodado
O também torcedor pontepretano André Procópio Sales, de 29 anos, mora a poucos metros do estádio Moisés Lucarelli, o que ameniza um pouco a saudade. “Ouço o hino, o grito dos jogadores e o barulho da torcida virtual. Só não consigo ver muito o campo”, diz.
Favorecido pela proximidade, André Procópio era presença frequente nos jogos, mas não se restringia apenas aos compromissos em Campinas. “Meu índice de frequência era anormal porque eu ia a quase todas as partidas, até aquelas que não valem nada. Também gostava de viajar e acompanhar a Copinha”, conta.
Como já chegou a morar em outras cidades, o tempo máximo que André Procópio havia ficado sem ir ao estádio era de seis meses, mas nunca um ano. “Toda vez que tinha a oportunidade, eu voltava para Campinas, casando com data de jogo. Agora dá uma sensação estranha, até já sonhei que estava na frente do estádio antes de um jogo, mas acho que aprendi a lidar. Como a minha rotina mudou completamente, tornou-se apenas mais um lugar onde não posso ir”, pondera Sales.
Ele tomou algumas medidas para ajudar o clube durante a pandemia. “Comprei o totem de papelão, continuo sendo sócio-torcedor e fiz questão de comprar algumas camisas da nova fornecedora”, relata André Sales, que também é conselheiro do clube.
Próximo, mas distante
Vizinho do Brinco de Ouro, Leonardo Trentim é sócio-torcedor do Guarani e faz de tudo para estar perto do time do coração. Sem poder ir ao estádio durante a pandemia, o torcedor acompanha pela TV as partidas da equipe alviverde, mas o rádio também se tornou um companheiro importante para torcer sem estar presente na arquibancada.
“Desde quando começou a pandemia, acompanho os jogos pela televisão, mas alguns não consigo por causa do trabalho. Dou aula às segundas e quartas-feiras à noite, além de trabalhar durante o dia. Já houve jogos no meio da semana, às 16h30, que consegui assistir somente o final, mas partidas de segundas e quartas à noite são complicadas. Tento escutar pelo rádio, que ainda é um parceiro do torcedor que não consegue ir ao estádio”, finaliza.
O torcedor apaixonado conta que nunca imaginou ficar tanto tempo sem ir ao estádio e explica o sentimento de não poder ver de perto o time do seu coração. “Sobre essa questão de um ano sem jogo, às vezes a pessoa vai fazer um intercâmbio ou algo nesse sentido e fica um tempo sem ir, mas por um motivo ruim desses (pandemia), sem previsão de volta, eu nunca imaginei. Parece que fica ainda mais difícil sem saber se vai levar seis meses, um ano, um ano e meio, dois ou sabe-se lá quanto tempo sem poder voltar ao estádio”, lamenta Leonardo que, em dias de jogos à noite, consegue enxergar da própria casa o Brinco de Ouro com os refletores acesos.
Ausência incomum
Apaixonado pelo Guarani desde a infância, o torcedor Lucas Pézão também lembra que nunca ficou tanto tempo sem ir ao Brinco de Ouro acompanhar o time do seu coração. Atualmente com 37 anos, o economista chegou a morar fora do Brasil por um ano e mesmo assim conseguiu voltar ao país para ir ao estádio assistir ao Bugre.
“Morei fora do Brasil um ano da minha vida por causa do trabalho. E nem assim deixei de ir a jogos no Brinco. Quando tirei férias do trabalho, vim ao Brasil e consegui ir a dois jogos. Agora já faz mais de um ano que moro próximo ao Brinco e não consigo ir. É um antagonismo bem interessante ao longo da minha vida”, destaca.
Sempre presente no estádio, o torcedor conta que tem muitos amigos por causa do Guarani e esses encontros fazem falta durante a pandemia. “O que eu mais sinto falta são os amigos. Muitas amizades começaram no Brinco e também em viagens, e hoje ela é muito maior do que isso. Nos momentos péssimos, jogos que não valiam nada e frustrações, o programa legal também era ir ao Brinco junto com os amigos. As conversas e piadas faziam tudo ficar mais tranquilo”, destaca.
“A saudade de ir no Brinco está gigantesca porque é um lugar que vou desde quando nasci. Tenho muitas histórias e em situações normais não perco um jogo no Brinco. A saudade está gigante e eu não vejo a hora de poder estar lá novamente”, finaliza o torcedor apaixonado.