O dia 13 de agosto de 1978 está na história e é lembrado com carinho pelo torcedor bugrino. Nesta data, exatamente 43 anos atrás, o Guarani venceu o Palmeiras por 1 a 0 e conquistou o primeiro e único título brasileiro de uma equipe do interior do País. Naquela noite, 28.287 torcedores lotaram o Brinco de Ouro da Princesa e assistiram de perto Careca, na época com 18 anos, balançar a rede aos 36 minutos do primeiro tempo e garantir o triunfo em mais uma atuação de gala da jovem e talentosa equipe comandada por Carlos Alberto Silva.
Além do centroavante, anos depois consagrado no Napoli ao lado de Maradona, e na Seleção Brasileira, aquele time contava com outros craques que foram fundamentais desde o início da campanha gloriosa. Renato e Zenon, com 21 e 24 anos em 1978, respectivamente, eram os responsáveis pela criação de jogadas no meio-campo alviverde e relembram como foi o início da campanha que terminou com a taça garantida.
“Fomos um penetra na competição e fomos ousados, essa é a grande verdade”, pontua Zenon.
“Na realidade a gente entrou para participar do Campeonato Brasileiro de 1978. Entramos como participante, nem como competidor. Então, o objetivo era mais participar do Campeonato Brasileiro e ficar em uma posição intermediária para não cair de divisão. Era esse o pensamento nosso. O time foi montado no segundo semestre de 1977 com muitos garotos que vieram da base para formar o elenco. Fomos um penetra na competição e fomos ousados, essa é a grande verdade”, pontua Zenon.
“Foi um campeonato com três ou quatro fases e no começo a intenção era fazer uma campanha boa, mas jamais imaginando o que aconteceu no final. No início do campeonato classificamos no meio do pessoal, tivemos alguns grandes resultados, mas também sofremos derrotas complicadas, como o jogo que perdemos de 5 a 1 para o Remo, no Pará, que o Bira fez cinco gols na gente. Eu acho que o time começou a ter uma confiança maior quando vencemos o Dérbi por 2 a 1. O Careca estreou, fez os dois gols, e encaixou certinho na equipe”, destaca Renato.
Após o início de altos e baixos e a emblemática vitória sobre a rival Ponte Preta, o Guarani foi até Porto Alegre enfrentar o Internacional, no Beira-Rio, em partida da fase final do primeiro turno da competição.
Antes do jogo contra o Inter, o trio ofensivo do Bugre formado por Capitão, Careca e Bozó, foi motivo de piada para o comunicador gaúcho Lauro Quadros, que se referiu a linha de frente como “ataque de circo”, em tom pejorativo pelo apelido dos atletas até então desconhecidos. Em campo, o Colorado de Paulo Roberto Falcão, Caçapava e Batista foi envolvido pelos jovens atletas do time campineiro, e a partida terminou com a histórica vitória alviverde por 3 a 0.
“O jogo contra o Internacional foi importantíssimo pela maneira que tudo aconteceu. Falaram que o Colorado iria golear o time que tinha o ataque de circo formado por Capitão, Careca e Bozó. Essas coisas mexeram com a gente, acho que fizemos a melhor partida no campeonato e o 3 a 0 ficou até barato para o Internacional”, relembra Renato, autor do primeiro gol da vitória em Porto Alegre.
“Ali foi um divisor de águas para que nós pudéssemos acreditar que poderíamos enfrentar de igual para igual outros candidatos ao título. Foi a partir desta partida diante do Internacional, que colocamos na cabeça que o Guarani poderia deixar de ser um participante no campeonato, para ser um competidor”, garante Zenon, que marcou o terceiro gol no Beira-Rio, após Bozó colocar a segunda bola na rede.
Carlos Alberto Silva: de desconhecido a campeão
Outra peça chave na histórica conquista foi o técnico Carlos Alberto Silva, na época com 38 anos. O mineiro natural de Bom Jardim de Minas havia comandado a Caldense em 1977 e no ano seguinte chegou ao Guarani como um desconhecido. Aos poucos, o treinador começou a se provar, tornando-se querido pelo grupo de jogadores e colocando em campo uma equipe que apresentava futebol envolvente.
“O Carlos Alberto Silva era uma pessoa simples que queria vencer e eu acho que isso encaixou muito bem. Para você ter uma ideia, no último jogo contra o Palmeiras, nós tínhamos cinco jogadores da base como titulares: Mauro, Miranda, Manguinha, Careca e eu. Metade do time era da base do Guarani e isso foi muito importante”, exalta Renato.
“O pessoal falava até que o Carlos Alberto Silva era o meu pai. Ele dava uma certa liberdade para mim em campo e isso ajudava muito. Às vezes tinha treinador que pedia para ficar mais atrás marcando. Ele sabia o potencial de cada um e dava liberdade. Pelo toque de bola do Zé Carlos e a categoria do Zenon, eu já sabia que o passe chegaria com qualidade”, pontua Renato, o único jogador do elenco a entrar em campo nas 32 partidas da campanha do título nacional.
União do elenco e título conquistado jogo a jogo
Apesar do elenco bugrino ser recheado de jovens, a equipe contava com atletas experientes como o volante Zé Carlos e o goleiro Neneca, na época com 33 e 30 anos, respectivamente. Os garotos do elenco moravam nos alojamentos que ficava embaixo das arquibancadas do Brinco de Ouro da Princesa, enquanto os mais experientes, já casados, moravam próximo ao estádio do Alviverde. Uma vez por semana, os atletas se reuniam na casa do ex-volante Zé Carlos, normalmente para um churrasco, e isso ajudou a fortalecer a união do time que se tornaria campeão brasileiro.
O time era muito unido, todos gostavam de estar perto um do outro, não tinha nada de arrogância, hipocrisia ou demagogia.
“A gente se reunia para conversar, mas normalmente não conversávamos muito sobre futebol. Era mais um encontro agradável, era sempre legal bater aquele papo e quando vencia a euforia era maior. O time era muito unido, todos gostavam de estar perto um do outro, não tinha nada de arrogância, hipocrisia ou demagogia. Tudo isso influenciou muito para que o time se tornasse uma aroeira”, enaltece Zenon.
“Tínhamos um respeito muito grande pelos mais experientes. Lembro de um jogo contra o Botafogo de Ribeirão Preto, que cheguei ao lado do Zenon e até comentei sobre a grande atuação do Zé Carlos, que chegou ao Guarani depois de falarem em Minas Gerais que ele estava acabado para o futebol. Ele nos orientava muito e dificilmente tinha problema entre os jogadores. Era muito importante essa reunião que ele (Zé Carlos) fazia toda segunda-feira”, declara Renato.
Espetáculo no Maracanã
Evoluindo e crescendo jogo a jogo no campeonato, o Guarani chegou até as quartas de final e não tomou conhecimento do Sport, goleando o rival pernambucano por 4 a 0 em Campinas e vencendo por 2 a 0 em Recife. Na semifinal, o Bugre teve o Vasco de Roberto Dinamite como adversário, na época uma das principais equipes do futebol brasileiro.
No Brinco de Ouro da Princesa, diante de 30.092 torcedores apaixonados, Orlando (contra) abriu o placar e Renato marcou o segundo gol da vitória alviverde por 2 a 0.
No Maracanã, diante da arquibancada com 101.541 pagantes, foi a vez de Zenon dar espetáculo, balançar a rede duas vezes e garantir a vitória por 2 a 1 que levou o Bugre à final do Campeonato Brasileiro.
“Foi muito natural tudo que aconteceu durante o campeonato. Esse jogo contra o Vasco foi de grande importância na minha carreira para que eu pudesse ficar na vitrine do futebol brasileiro, mas também tive outros jogos inesquecíveis com a camisa do Guarani. Aquela semifinal fez com que o time do Guarani, não eu, se fortalecesse muito para a busca pelo campeonato. Quando passamos por aqueles dois jogos, aí sim nós sabíamos que seríamos campeões. Já sentíamos essa confiança. O Vasco era um time muito forte e ali colocamos na cabeça que seríamos campeões”, explica Zenon.
“Foi feito um trabalho muito bom da comissão técnica e da diretoria, nunca com cobrança forte e sempre oferecendo todas as condições de trabalho. A experiência que tinha o preparador físico Hélio Maffia, com passagem pela Seleção Brasileira, encaixou muito bem com o Carlos Alberto. Isso começou a deixar a gente muito à vontade e fomos evoluindo jogo a jogo”, relembra Renato.
Duas vitórias na final e título garantido
Após eliminar um dos favoritos ao título na semifinal, o Guarani chegou à final do Campeonato Brasileiro para enfrentar o Palmeiras, que também era uma das principais equipes do futebol nacional e contava com atletas conhecidos como o goleiro Leão e o meia Jorge Mendonça – este, que no início da década de 1980, tornou-se tornou ídolo do Bugre. Nos dois jogos decisivos, o time campineiro fez história ao vencer o rival da Capital no Morumbi e no Brinco de Ouro por 1 a 0. Com os triunfos, a equipe alcançou a marca de 11 vitórias consecutivas, recorde jamais batido na história do Brasileirão.
Autor do gol da vitória no Morumbi, Zenon relembra detalhes da decisão do campeonato. Advertido com o terceiro cartão amarelo no jogo em São Paulo, o meia ficou fora da partida no Brinco e foi substituído por Manguinha. Mesmo assim, revela que não guarda frustração por não poder atuar no jogo histórico.
“Não tive frustração de forma nenhuma, pelo contrário, fiquei muito feliz pelo título. Gostaria muito de ter participado do jogo, mesmo assim eu sabia que seria substituído por um outro atleta que era muito dedicado e tinha muita motivação. Sabia que seria muito bem substituído. O que aconteceu é que eu fiquei indignado com a forma que o Arnaldo Cezar Coelho me deu o cartão no primeiro jogo da final. Foi uma jogada normal de chegada para ganhar a bola, sem intenção nenhuma eu atingi o falecido Toninho Vanusa, e o Arnaldo entendeu que eu merecia o cartão”, lamenta Zenon.
“Na realidade, nós fomos campeões lá no Morumbi, aquele foi o jogo do título. Depois a gente poderia perder aqui em Campinas, que seria campeão do mesmo jeito. Apesar de não estar em campo, eu estive no vestiário, fiz a bagunça toda com a galera e só não fiquei no banco de reservas porque o José Roberto Wright não permitiu. Depois, fui para o quarto no Brinco e ali assisti o jogo em uma televisão de 14 ou 15 polegadas preto e branco que era do Careca”, finaliza Zenon.