Rara leitora, raro leitor. Você com certeza já ouviu falar da expressão “fake news”. A palavra é recente, mas o fenômeno é antigo. No entanto, as notícias falsas não tinham a repercussão em nível mundial, não podiam ainda afetar nossa fisiologia no âmbito mental. É sabido hoje que o bombardeamento de informações pode influenciar nossa capacidade cognitiva.
Uma mentira dita e repetida 1000 vezes, por muita gente, por algum tempo, torna-se verdade em nossa mente. Concordaremos com a maioria: como só “eu” posso estar certo disso que estou pensando, se só eu ou uma pequena minoria pensa dessa maneira? Todo mundo, a toda hora, está dizendo outra coisa!
E assim muitas vezes nos conformamos com a mentira e nem sequer temos a curiosidade para confirmar as informações, isso em países ditos “democráticos”. Falta curiosidade, falta humildade.
Um dia estava em um voo, e uma menina ao meu lado conversava com sua amiga. Ao tentar escolher entre as opções de músicas disponíveis na tela do assento do avião, ela inocentemente declarou: meu conhecimento musical se resumo a cinco bandas. O mundo dela é limitado a isso. Quanto mais limitado, menos capacidade de discernir.
Mas nos países não livres as coisas são diferentes. As estratégias das ditaduras sempre foram a exclusão, o exílio, o bloqueio. Antigamente, os intelectuais eram presos, exilados ou mortos (ainda utilizam desse expediente), mas também bloqueiam todas as plataformas que podem trazer uma visão diferente – talvez verdadeira – para dentro do território.
“Quem controla o passado, controla o futuro; e quem controla o presente, controla o passado”, disse George Orwell, o autor de “1984”.
Os governos da China e da Rússia, por exemplo, por controlarem o presente, estão reescrevendo o passado: nas escolas, nos museus, as narrativas levam a população a crer exatamente naquilo que seus governantes almejam: perpetuar o seu governo, o seu poder, o seu nome; e forjar cidadãos patriotas e nacionalistas.
É possível suplantar esses bloqueios, sim. Mas qual o percentual da população que o faz? E geralmente são os jovens. Os adultos e idosos continuam a receber as mesmas informações, e se lembram de quando eram jovens, e de quando supostamente seu país era “melhor”. Perpetuam o círculo.
E isso sem falar também nas bolhas dos algoritmos, que nos entregam geralmente apenas duas narrativas e que alimentam a polarização.
Não são treinados para conhecer, para saber, mas para crer. A crença pode ser manipulada.
A convicção do fanático faz mal para ele e é perversa para a sociedade.
“A gramática é a política por outros meios.”
Gustavo Gumiero é Doutor em Sociologia (Unicamp) e Especialista em Antigo Testamento – gustavogumiero.com.br – @gustavogumiero