A mulher inquieta e inconformada é a mesma que olha o céu pela manhã, se alegra com os passarinhos e agradece ao acordar. As atitudes parecem opostas, mas na verdade se complementam ou estabelecem relações de efeito e causa para delinear um perfil que impõe inspiração.
Não é por acaso que Silvia Brandalise se tornou referência no tratamento de câncer infantil no mundo.
No último domingo (26), a presidente do Centro Infantil Boldrini completou 80 anos. E sua resposta à nova idade é a mesma que ela dá à vida: se negando a sentar e ver o tempo passar.
Se pudesse voltar no tempo, Silvia conta que talvez abrisse mão da “rabugice” e seria mais doce. Depois, pensou melhor, e admitiu que o espírito ranzinza não foi tão ruim assim. Afinal, o que é possível definir como “rabugice doce” se configurou numa espécie de reação contra a morte.
A insistência numa medicina humanizada, por exemplo, foi uma de suas “chatices”.
“Fui uma professora chata, que não deixava o aluno se referir ao paciente como aquele do quarto ou do leito. Tinha que saber o nome e a história”, conta, lembrando sua época de docente do Departamento de Pediatria da Unicamp.
Outra “rabugice” foi quando não quis se aposentar ao completar 70 anos de idade. “A Unicamp me obrigou”, lembra a médica, que também não se preocupava com férias, hora extra e marcação de ponto. O investimento em gente e a objeção à medicina lucrativa nortearam sua vida e estabeleceram o perfil da entidade que preside.
Hospital filantrópico e referência no tratamento e pesquisa do câncer infantil, o Centro Boldrini existe há 45 anos e é mantido por meio de doações, que correspondem a cerca de 50% do total arrecadado.
A cura atinge, em média, 80% das crianças tratadas. “O objetivo é chegar a 90%”, diz Silvia, que trabalha em várias frentes na batalha contra o câncer infantil no Brasil e no Exterior e enxerga muitos desafios pela frente.
Sua missão, agora, se estende ao tratamento de outras doenças pediátricas. A procura pelo Centro Boldrini por famílias com crianças vítimas de distúrbios raros a impulsionou à nova tarefa. A construção do Hospital de Especialidades Pediátricas está a caminho.
“Não existe no Estado de São Paulo um hospital pediátrico especialista em doenças raras”, lamenta a médica, que quer preencher essa lacuna. “Só estamos procurando uma área no distrito de Barão Geraldo. O projeto está pronto.”
O hospital será edificado numa área de aproximadamente 40.000 m2, com 20.000 m2 de construção. Um terreno de 60.000 m2 circunvizinho ao Centro Boldrini e à Unicamp deverá ser adquirido.
O espaço contará com 200 leitos e 29 especialidades, entre as quais eriosinatos do metabolismo, doenças crônico-degenerativas, psiquiatria – psicologia e reumatologia. O custo aproximado é de R$ 45.340.000,00.
Destaque
Aos 80 anos, Silvia não quer ver o tempo passando pela sua frente sem intervir nele. E garante que joga o medo e a tristeza para longe, até mesmo quando as questões financeiras se atrevem a ditar as regras.
Ao ser questionada sobre custos, a médica disse que sabe a quem recorrer quando a pressão chega. “Bato na porta de Deus. Ele cuida bem.”