Rara leitora, raro leitor, fico cada vez mais perplexo com a quantidade de expressões que são criadas e, após breve tempo, começamos a utilizá-las em nosso cotidiano. Sem reflexão sobre o significado delas, elas caem no vocabulário mundial e entram em nossas falas. Nos apropriamos dos termos pois isto parece nos dar certa conotação de conhecimento sobre ele.
As mais recentes foram “fake news”, “pós-verdade”, “mudança climática”. A última é a vulgarmente chamada Inteligência Artificial. Agora, tudo ao que se refere à esfera computacional, virou, de um dia para outro, “IA”, a ponto de ela ter sido eleita a palavra do ano de 2023. Um aplicativo, um programa, um site, um algoritmo (que, por sua vez, também já foi algum tempo atrás a palavra da moda), tudo é chamado agora de IA.
E os “especialistas” abusam dessa expressão: “olha essa IA para melhorar seu trabalho”, “essa IA resolve tudo em poucos segundos”, e por aí vai. E nós reproduzimos todo esse blá-blá-blá.
E quando não é para glorificar a IA, o debate que se trava é com relação à perda de empregos. Dizem que a “IA” vai extinguir com milhões de empregos no mundo. Nada mais distante da realidade. Toda tecnologia (máquina técnica) está subordinada à máquina social (conceito de Deleuze e Guattari).
É necessário entender essa relação político-histórica para não cair no vazio do senso comum a esse respeito, pois remeter a “artificial” nos distancia do entendimento dessa relação social, mantendo os desinformados como cachorro correndo atrás do próprio rabo, ou como o homem da caverna de Platão, que só vê a sua própria sombra na parede, mas não consegue se libertar.
A IA é de humanos para humanos. Por isso, não é artificial, animal ou divina mas, sim, humana, uma característica da nossa espécie – Sapiens – que evoluiu desenvolvendo as técnicas.
Todas as informações e facilidades que temos hoje são a coroação de milênios de descobertas, alavancadas pelo exórdio da ciência e de sua apropriação pelo capitalismo. Todo desenvolvimento visa o lucro, o enriquecimento de poucos e talvez a tristeza de muitos outros.
Não é a IA que bane os empregos, ela é apenas uma das armas que a classe dominante possui. Quem extingue os empregos é quem deseja obter mais lucro.
Para finalizar, como apontou o filósofo francês Gilbert Simondon, enquanto a obra de arte é enaltecida, as obras técnicas são relegadas a segundo plano por seu aspecto “funcional”. Todas as técnicas deveriam ser também elevadas. O Google e o ChatGPT, por exemplo, são a coroação de toda uma inteligência coletiva e histórica reunidos num mesmo lugar, ao mesmo tempo.
Em tempo: o emoji (as famosas “carinhas) foi eleito a palavra do ano de 2015. Revela bem o que estamos nos tornando, sem profundidade na fala, uma padronização rasa das capacidades cognitivas.
Para quem quiser se aprofundar no tema, sugiro as leituras de: Gilbert Simondon, filósofo francês, “Do modo de existência dos objetos técnicos” Álvaro Vieira Pinto, filósofo brasileiro, “O Conceito de Tecnologia, V. I e II” Gilles Deleuze e Félix Guattari, filósofos franceses, “Capitalismo e esquizofrenia”.
Certamente terá um novo olhar crítico sobre tudo o que se passa à sua volta.
Gustavo Gumiero é sociólogo e escritor – @gustavogumiero – gustavogumiero.com.br