O número de crianças e adolescentes sem acesso a educação no Brasil saltou de 1,1 milhão em 2019 para 5,1 milhões em 2020, de acordo com o estudo Cenário da Exclusão Escolar no Brasil – um Alerta sobre os Impactos da Pandemia da Covid-19 na Educação, lançado hoje (29) pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em parceria com o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec) Educação.
De acordo com a pesquisa, em 2019, aproximadamente 1,1 milhão de crianças e adolescentes, com idade entre 4 e 17 anos, estavam fora da escola, o que representava 2,7% dessa população. Esse percentual vinha caindo pelo menos desde 2016, quando 3,9% das crianças e adolescentes não tinham acesso à educação.
Em 2020, o número de crianças e adolescentes de 6 a 17 anos fora da escola passou para 1,5 milhão. A suspensão das aulas presenciais, somada à dificuldade de acesso à internet e à tecnologia, entre outros fatores, fez com que esse número aumentasse ainda mais. Somados a eles, 3,7 milhões de crianças e adolescentes da mesma faixa etária estavam matriculados, mas não tiveram acesso a nenhuma atividade escolar, seja impressa ou digital e não conseguiram se manter aprendendo em casa. No total, 5,1 milhões ficaram sem acesso à educação no ano passado.
“O Brasil vinha avançando no acesso à educação e com redução progressiva da exclusão escolar. Com a pandemia, nesse progresso, que foi alcançado nos últimos anos, de repente, vemos uma volta atrás”, diz a representante do Unicef no Brasil, Florence Bauer. “A gente está, cada vez mais, deixando as nossas crianças sem vínculo com a escola”, complementa o chefe de Educação do Unicef, Italo Dutra. Ele ressalta que o número de excluídos hoje é semelhante à marca do início dos anos 2000, o que mostra que durante a pandemia, o Brasil corre o risco de regredir duas décadas no acesso de meninas e meninos à educação. “Estamos fazendo um alerta, como diz o título do estudo. Se a situação continuar como está, a gente volta 20 anos nos nossos avanços de acesso à escola. É muito preocupante”.
Dutra explica que o estudo utiliza dados de diferentes pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por isso a faixa etária de 2020 é diferente. Foram usadas a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), até 2019, e a Pnad Covid-19, referente a 2020. Não há dados do ano passado das crianças de 4 e 5 anos, que podem aumentar ainda mais o número de excluídos.
Os dados mostram outra situação preocupante, segundo Dutra, a maior incidência de crianças e adolescentes fora da escola ao final de 2020 está na faixa etária de 6 a 10 anos, 41%. A faixa etária é seguida por 15 a 17 anos, com 31,2% excluídos e por 11 a 14 anos, com 27,8% sem aulas. “O principal grupo a ser atingido é exatamente o grupo que a gente já tinha praticamente zerado a exclusão escolar”, ressalta.
O Brasil já havia praticamente cumprido a meta de universalizar o acesso à educação nessa faixa de 6 a 10 anos, que é quando os estudantes aprendem, por exemplo, a ler e a escrever. Dos 1,1 milhão que não estavam matriculados em 2019, cerca de 630 mil tinham entre 15 e 17 anos e 385 mil 4 ou 5 anos, que eram, então, as faixas etárias mais excluídas.
Desigualdades
De acordo com o estudo, as maiores porcentagens de crianças e adolescentes sem acesso à educação estão nas regiões Norte e Nordeste, em áreas rurais. Além disso, cerca de 70% daqueles sem acesso à educação são pretos, pardos e indígenas (seguindo a classificação do IBGE).
Os dados mostram que 28,4% das crianças e adolescentes de 6 a 17 anos da região Norte estavam sem aulas em 2020. Na região Nordeste, esse percentual chegou a 18,3%. Na outra ponta, 5,1% das crianças e adolescentes dessa faixa etária na região Sul estavam sem acesso à educação. Na região Norte, em áreas rurais, a porcentagem de exclusão chegou a quase 40%.
Antes da pandemia, em 2019, a região Norte, tinha 4,3% das crianças e adolescentes de 4 a 17 anos fora da escola, e a região Centro-Oeste, 3,5%. Essas regiões tinham os maiores percentuais de exclusão. O Nordeste tinha 2,7%. A região Sudeste apresentava a menor porcentagem, com 2,1% fora das salas de aula.
“As causas da exclusão escolar não estão apenas ligadas àquilo ao que o setor educacional pode dar resposta, é preciso fortalecer o sistema de garantia de direitos, [que inclui] assistência social, cultura, esporte, saúde, que contribuem para que a gente tenha as causas que levam à exclusão escolar mitigadas e para que os estudantes possam de fato estar na escola aprendendo”, defende, Dutra.
O estudo faz recomendações para reverter essa exclusão, como realizar a busca ativa de crianças e adolescentes que estão fora da escola; garantir acesso à internet a todos, em especial os mais vulneráveis; realizar campanhas de comunicação comunitária, com foco em retomar as matrículas nas escolas; mobilizar as escolas para enfrentarem a exclusão escolar; e fortalecer o sistema de garantia de direitos para garantir condições às crianças e adolescentes para que permaneçam na escola, ou retornem a ela.
Reabertura de escolas
De acordo com Florence, a medida mais urgente é a reabertura das escolas. Isso deve ser feito, segundo ela, seguindo protocolos de segurança e de acordo com a situação de cada localidade, suspendendo as aulas presenciais quando necessário, usando metodologias como a híbrida, misturando aulas presenciais e remotas. Isso deve ser combinado a busca ativa daqueles que estão fora da escola, para evitar que eles deixem os estudos.
“Estamos vendo o resultado com o aumento da exclusão escolar, além de de outros impactos que o fechamento das escolas têm no desenvolvimento das crianças, na aprendizagem, mas também na nutrição, na saúde mental, na socialização e na proteção contra a violência. Por isso é fundamental reabrir. [As escolas] têm que fechar por momentos pontuais”, diz.
Professores e outros trabalhadores em educação, ressaltam no entanto, que é preciso garantir condições seguras para retomar as aulas presenciais. Em nota, Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE) ressalta que o Brasil está entre as nações com maior letalidade na pandemia.
“É preciso garantir condições sanitárias, exames de diagnóstico sistemáticos em massa, celeridade na vacinação da população, investimento na infraestrutura física e acesso universal aos recursos tecnológicos e de conexão digital de qualidade em todas as unidades educacionais”, diz a nota. Os professores e trabalhadores em educação estão entre os grupos prioritários de vacinação de acordo com o Plano Nacional de Operacionalização da Vacina contra Covid-19, elaborado pelo Ministério da Saúde. (Agência Brasil)