Apesar da redução de 58,8% no índice de acidentes fatais no trânsito nos últimos 10 anos, a cidade de Campinas registrou aumento de 1,7% de mortes na comparação entre 2019 e 2020. Mesmo com a diminuição do tráfego de veículos por conta das restrições impostas pela pandemia de Covid-19, houve um crescimento de 61% no número de atropelamento de pedestres neste período.
Os dados pertencem ao “Caderno de Acidentalidade no Trânsito em Campinas 2020”, divulgado pela Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas (Emdec), na última terça-feira (11). A iniciativa é uma das ações ligadas ao Movimento Maio Amarelo, que ocorre desde 2014, com o objetivo de conscientizar a população sobre a importância da segurança no trânsito. Neste ano, em sua 8ª edição, o lema da campanha é: “Respeito e Responsabilidade: Pratique no Trânsito”.
De acordo com José Aurélio Ramalho, idealizador do Maio Amarelo e diretor-presidente do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV), de Indaiatuba, o aumento de 60 para 61 vítimas fatais no trânsito urbano de Campinas no ano passado é consequência do elevado fluxo de motofretistas – 48% dos acidentes que resultaram em morte envolveram motociclistas – e da falsa percepção de segurança, gerando mais aceleração – houve aumento de 58,7% nos registros de velocidade acima de 100km/h.
“Durante longos períodos no ano passado, o trânsito reduziu drasticamente e passamos a nos acostumar com esta fluidez. Com as ruas e avenidas mais liberadas, houve significativo aumento na velocidade dos veículos. Com a pequena retomada do tráfego, a distração, negligência e imprudência levaram a mais ocorrências de trânsito”, avaliou Ramalho, em entrevista exclusiva concedida ao Hora Campinas.
José Aurélio Ramalho também refletiu sobre a trajetória do Movimento Maio Amarelo e avaliou os resultados da primeira “Década de Ações pela Segurança no Trânsito 2011-2020”, além de discorrer sobre os futuros desafios em busca de reduzir os acidentes no trânsito. Confira abaixo a entrevista completa:
Hora Campinas: Como se deu a origem do movimento Maio Amarelo? E como o senhor avalia esses oito anos de trabalho à frente da campanha?
José Aurélio Ramalho: O Movimento Maio Amarelo nasceu com uma só proposta: chamar a atenção da sociedade para o alto índice de mortes e feridos no trânsito em todo o mundo. O movimento é uma ação coordenada entre o Poder Público e a sociedade civil, com a intenção de colocar em pauta o tema segurança viária e mobilizar toda a sociedade, envolvendo os mais diversos segmentos: órgãos de governos, empresas, entidades de classe, associações, federações e sociedade civil organizada para discutir o tema, engajar-se em ações e propagar o conhecimento, abordando toda a amplitude que a questão do trânsito exige, nas mais diferentes esferas. Nos últimos oito anos, estamos vendo os índices de mortes por sinistros de trânsito no Brasil caírem e são vários os fatores que contribuem para essa redução. Entre eles, podemos incluir a criação do próprio Movimento Maio Amarelo, criado em Indaiatuba, que hoje está presente em mais de 30 países. O Maio Amarelo é um movimento social e toda sociedade pode participar sem precisar pedir permissão para alguém. Fazer o trabalho de conscientização é responsabilidade de cada um: dos órgãos públicos, das empresas e da sociedade civil organizada.
A campanha deste ano possui como tema: “Respeito e Responsabilidade: Pratique no Trânsito”. Como se deu a escolha da frase e qual o principal objetivo?
A campanha do Movimento Maio Amarelo deste ano é focada nas atitudes que têm faltado ultimamente em diversos ambientes de convivência, como respeito e responsabilidade. Ela reflete bem toda a nossa atual vivência no trânsito, com muita impaciência e intolerância. É preciso parar e refletir como o trânsito representa nosso atual estado de espírito. Por isso, o Maio Amarelo quer fazer pensar: será que precisamos continuar agindo assim?
O dado mais recente de acidentes fatais de trânsito no Brasil, disponibilizado pelo Ministério da Saúde e compilado pelo Observatório Nacional de Segurança Viária, aponta 31.945 vidas perdidas em 2019, número mais baixo desde 2001. Qual a análise geral que o senhor faz da primeira “Década de Ações pela Segurança no Trânsito” para o cenário brasileiro? O caminho ainda é longo para conscientizar a população e assim atingir a meta estabelecida pela ONU de diminuir pela metade as mortes no trânsito? Ou a projeção é otimista para o futuro próximo?
Eu continuo acreditando e espero que a maioria da população brasileira também acredite que é possível mudar esse cenário. A “Década” fez os governos se mexerem em todas as instâncias, alguns mais, outros nem tanto, mas mandou um recado. Estive em Estocolmo, em fevereiro do ano passado, quando a ONU fez o balanço, juntamente com representantes de mais de 140 países. Chegou-se à conclusão de que era preciso continuar. Foi dado mais um “puxão de orelha” em todos para que ampliassem os esforços na redução e que é possível expandir conceitos como o Visão Zero, da Suécia, para outros países. No Brasil, estamos há cinco anos sem aumentar o número de mortos, mas ainda são muito altos o nosso índice. Por isso, é preciso uma conscientização maior da importância desse trabalho permanente para toda sociedade.
Nesta última semana, a Emdec divulgou o “Caderno de Acidentalidade 2020”, com dados de mortes por acidentes de trânsito em Campinas. Como o senhor avalia os números e a que atribui o aumento recente de acidentes fatais, apesar da redução de circulação de veículos por conta da pandemia?
Este aumento, mesmo na pandemia, é decorrente do elevado fluxo de entregadores motofretistas, principalmente fora do que pede a legislação em vigor. Também há uma falsa percepção de segurança, uma vez que durante longos períodos no ano passado, o trânsito reduziu drasticamente e passamos a acostumar com esta “fluidez”. Com as ruas e avenidas mais “liberadas”, houve significativo aumento na velocidade dos veículos. Com a pequena retomada do tráfego, a distração, negligência e imprudência levaram a mais ocorrências de trânsito. Já a redução de mortes no trânsito observada não só para Campinas e região, mas também em todo país, se deu também pela crise econômica que estamos enfrentando desde 2014, onde a circulação de veículos e pessoas reduz drasticamente, pois o desemprego acaba afetando os deslocamentos no cotidiano. Com a pandemia, isso se potencializou. Ou seja, não podemos atribuir essa redução de Campinas apenas a políticas públicas locais, e sim a vários fatores que influenciam a redução de sinistros de trânsito num determinado local. Tanto que temos bastante preocupação de que, com a situação melhorando e as pessoas voltando a circular novamente com mais intensidade, é preciso mais investimento do poder público, principalmente na formação dos condutores e na implantação efetiva da educação de trânsito nas escolas, pois talvez esses números voltem a patamares de anos atrás.
Quais os planos e expectativas do movimento Maio Amarelo para o futuro?
O Maio Amarelo está consolidado entre os órgãos do SNT (Sistema Nacional de Trânsito). Devido às dimensões desse país, a sociedade como um todo ainda não conhece plenamente o Movimento e sua mensagem principal, então é preciso manter essa chama e esse incentivo todos os anos, trabalho que o Observatório faz para que um dia o mundo todo possa lembrar que é preciso falar de segurança no trânsito com toda sociedade. A cada ano, percebemos que mais cidades realizam ações de conscientização. O plano é esse: continuar levando a importância desse trabalho para todos que lideram, seja uma comunidade, um governante, um líder religioso ou o presidente da República.
Gostaria que o senhor deixasse uma mensagem final para motoristas, motociclistas e pedestres.
Praticar a empatia e a percepção de risco no trânsito. Se todos nós, ao sairmos de casa todos os dias, seja para ir ao trabalho, levar as crianças à escola ou fazer uma viagem, disciplinarmo-nos para praticar essa postura nas vias, ruas e rodovias, podemos ter certeza que os números de lesionados e óbitos no trânsito brasileiro cairão drasticamente.