O médico Tadeu Fernandes, referência em pediatria no Brasil, afirma que a Fase Vermelha, isoladamente, não será suficiente para barrar o vírus. Ele defende que a saída para a crise passa por medidas duras e pela necessária conscientização da população. “Parte da população é responsável, pela falta de conscientização das medidas básicas”, aponta. Presidente do Departamento de Pediatria Ambulatorial da Sociedade de Pediatria de São Paulo, Fernandes comenta sobre a menor suscetibilidade das crianças e adolescentes em relação à Covid, fala sobre a questão da desigualdade que atrapalha qualquer plano de volta às aulas e faz uma comparação com um voo para identificar a responsabilidade do presidente Jair Bolsonaro na tragédia sanitária. “Imagina um avião em pleno voo e diante da chegada de uma tempestade, o piloto se ausenta e deixa o comando aos copilotos e outros tripulantes?”. Veja os trechos da entrevista concedida pelo médico ao Hora Campinas.
Hora Campinas – Que balanço o sr. faz do estágio da pandemia na região de Campinas? A Fase Vermelha está sendo suficiente?
Dr. Tadeu Fernandes – Infelizmente estamos vivendo o pior momento da pandemia em Campinas e região. A fase vermelha isoladamente não é suficiente. Não é questão de fechar ou abrir, mas uma questão de conscientização da população e do poder público em normatizar e fiscalizar
HC – Qual o risco de uma criança ficar doente com a Covid-19?
Dr. Tadeu Fernandes – As evidências sugerem que as crianças têm menor susceptibilidade à infecção em comparação com os adultos, com uma razão de chances de 0.5 para serem um contato infectado em comparação com adultos. Os adolescentes têm susceptibilidade similar à dos adultos. As crianças e adolescentes representam menos do que 1% da mortalidade e respondem por 2/3% do total das internações. A maioria das crianças tem quadro leve ou assintomático.
HC – Ir à escola, em aulas presenciais, aumenta o risco de contágio?
Dr. Tadeu Fernandes – Desde o início da pandemia pelo novo coronavírus, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) tem se manifestado a respeito dos problemas relacionados à educação de crianças e adolescentes, no contexto dessa crise sanitária, acompanhando, discutindo e propondo medidas que mitiguem as repercussões na saúde física e mental, assim como no processo de ensino e aprendizado dos estudantes. Neste momento, uma questão central fundamenta-se na hipótese de que a maioria das escolas, principalmente das redes públicas, não esteja estruturada adequadamente para garantir segurança básica no retorno dos alunos às aulas presenciais. Enfatiza-se o grande problema brasileiro das desigualdades sociais, que neste tema traz novamente o foco para as crianças e adolescentes de classes menos favorecidas, que pagam o maior tributo a esta situação, visto que a maioria das escolas particulares conseguiu avançar no estabelecimento de protocolos sanitários e tecnologia de ensino para seus alunos durante a pandemia.
Se conseguíssemos um retorno às aulas com segurança para crianças e professores seria o ideal, mas repito, em um cenário de enorme desigualdade social, fica difícil dizer volte ou não às aulas, cada caso tem que ser analisado individualmente, e isso dificulta uma tomada de medida generalizada.
HC – Neste momento há uma maior infecção de crianças e jovens menores de idade pelo coronavírus. Por quê?
Dr. Tadeu Fernandes – Até agora, o coronavírus infectou crianças com menos frequência e gravidade do que adultos. Mas não é certo como variantes podem mudar esse cenário. Embora mais transmissíveis, até agora não há evidências de que as cepas do vírus encontradas na África do Sul, Brasil e Reino Unido afetem mais as crianças.
HC – Quais são os principais sintomas relatados da Covid-19 em crianças e jovens?
Dr. Tadeu Fernandes – Sintomas inespecíficos: febre, mal-estar geral, perda de apetite, dor de cabeça, dor de garganta, eventualmente diarreia. Como se vê, totalmente inespecíficos, semelhante a qualquer outra virose infantil, é nessa hora que a avaliação do cenário epidemiológico mais importa, ou seja, se na família contactantes da criança tem um caso Covid positivo este é o alerta para aprofundar a pesquisa na criança.
HC – As crianças devem usar máscaras? Em todas as faixas etárias?
Dr. Tadeu Fernandes – Segundo a SBP, todas crianças acima de 2 anos de idade estão aptas a usar máscara, e depende muito dos pais de um modo lúdico ir apresentando a máscara para as crianças.
HC – Há como proteger nossos filhos da doença? De forma forma?
Dr. Tadeu Fernandes – Não existe medicamento, vitamina ou mineral milagroso. Vacina para crianças ainda não temos estudos, somente para 2022 ou mais.
Tadeu Fernandes: onde está o piloto? Fotos: Divulgação
Então a proteção começa pelos adultos para não trazer o vírus para casa, e o tradicional distanciamento social, usar máscara, lavar as mãos e álcool gel.
HC – Há mesmo uma síndrome afetando crianças no mundo no pós-Covid?
Dr. Tadeu Fernandes – É rara. Um dos aspectos mais intrigantes da pandemia causada pela Covid-19, e que se demonstra consistente em todo o mundo, baseia-se no fato de que as crianças e adolescentes apresentam em sua maioria formas clínicas leves ou assintomáticas, não obstante a rara ocorrência de casos graves, como os descritos em crianças que apresentaram a Síndrome Inflamatória Multissistêmica. Uma revisão sistemática de 27 estudos (913 casos no mundo) globalmente revelou que a idade mediana dos pacientes foi de 9.3 anos e 57% dos pacientes foram do sexo masculino. Pelo menos uma comorbidade foi relatada em 31% dos casos, mais comumente a obesidade, a asma e a doença pulmonar crônica.
HC – Qual a responsabilidade do presidente na tragédia do vírus?
Dr. Tadeu Fernandes – Vou responder esta resposta com um exemplo: imagina um avião em pleno voo e diante da chegada de uma tempestade, o piloto se ausenta e deixa o comando aos copilotos e outros tripulantes?
É o que está acontecendo no Brasil: estamos sem piloto, ele não acredita na chegada da tempestade.
HC – E da população? Ela é igualmente responsável por esses números impressionantes de mortos e doentes?
Sim, parte da população é responsável, pela falta de conscientização das medidas básicas: distanciamento social, uso de máscaras, lavar as mãos e álcool gel.