A grande dificuldade de se criar algo novo em filme sobre uma história real recente reside no fato de que o mundo ficou pequeno, virou aldeia. Assim, o episódio envolvendo doze garotos e o treinador de um time de futebol desaparecidos na Tailândia, em 2018, torna-se corriqueiro como se tivesse ocorrido do lado da nossa casa e tomamos conhecimento de todos os detalhes da operação por meio da exaustiva cobertura da imprensa. Resta ao filme buscar um caminho que aguce a curiosidade do espectador para além da história da qual sabemos o desfecho. Em alguma medida, Milagre na Caverna (The Cave, Irlanda/Tailândia, 2019, 104 minutos), de Tom Waller, consegue algum efeito.
Veja o trailer do filme neste link https://www.filmelier.com/br/film/15752/milagre-na-caverna
Por exemplo, o filme começa avisando que um tanto da história foi modificado para efeitos dramáticos – o que é muito comum no cinema. Não que seja outra história, mas variantes dela, o que pode configurar algo ficcional acrescido ao episódio real.
E muito do que veremos no filme se concentra nos bastidores da operação.
Todos os que estão ao redor do drama querem, de algum modo, contribuir com o resgate. Uns porque aproveitam a oportunidade inesperada de aparecer na mídia, outros porque sonham em ganhar os louros do sucesso da empreitada e há os que, apenas, cumprem com dedicação o papel que lhes cabe.
Assim, vemos um homem que fabrica canos capazes de ajudar no escoamento da água da caverna cheia por causa das chuvas que esbarra na burocracia. Para ajudar, ele teria de falar com o responsável pela operação, ou com o governador, ou conseguir uma credencial.
A delegação inglesa que chega com um grupo de mergulhadores não pode atuar porque a operação foi delegada ao exército da Tailândia, que recusa qualquer ajuda estrangeira. Idêntico procedimento valerá para outros estrangeiros que tentarem se aproximar do local.
Esse bastidor demonstra como funciona a vaidade humana, não importa o palco.
Pode ser em um desfile de moda ou em uma tragédia. Pois este desfile de vaidades é, como linguagem, o dado mais interessante do filme porque, como os olhos do mundo estão voltados para o local, vale tudo.
Haverá, sim, esforço oficial do exército do país, de voluntários, da imprensa, dos familiares e de profissionais de diversas áreas, mas também religiosos que transformarão as orações em espetáculos diários, ambulantes vendendo de tudo, curiosos que só atrapalham.
O alvo é o resgate dos meninos, mas cada qual enxerga no evento uma oportunidade – para o que seja.
Pouco se vê dos meninos propriamente, mas a imagem de aglomerações de pessoas ao redor do drama torna-se a marca do filme. Simultaneamente, o outro alvo do diretor são os mergulhadores, os heróis, afinal, da história. E há razão para isso.
Dez dias após o desaparecimento, uma vez encontrados os meninos, todos vivos, o grande mistério será o resgate, que acabará sendo feito pelas águas. Então surge Jim Warny, eletricista de fábrica de aviões e mergulhador recreativo de cavernas. Para quem não queria estrangeiros, Jim é irlandês.
Pode-se encontrar, como em qualquer lugar, um pouco de exposição do que seja a vaidade humana em Milagre da Caverna; porém, sem dúvida, o filme também evoca a solidariedade humana. Milhares de pessoas envolvidas na operação trabalhando efetivamente no resgate, ou rezando, dando apoios, sustentando audiência da imprensa em todo o mundo ou, apenas, torcendo.
Visto por este prisma, a vaidade nem tem tanta importância assim, porque todos nós buscamos holofotes. A solidariedade, entretanto, é mais rara. Mas será dela a melhor lembrança que levaremos do filme.
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João Nunes é jornalista e crítico de cinema