A contratação de artistas, alguns deles com cachês superiores a R$ 100 mil, sem realização de licitação, levou o Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) a instalar, nesta terça-feira (27), inquérito civil para verificar supostos desvios por parte de alguns vereadores de Campinas. O promotor de Justiça Daniel Zulian apura eventuais irregularidades cometidas na destinação de emendas parlamentares impositivas na área da Cultura no ano de 2023. No total foram apresentadas 90 emendas neste segmento pelos vereadores da Casa.
Também nesta terça, Zulian recomendou à Prefeitura de Campinas e à Secretaria Municipal de Cultura e Turismo que suspendam a execução e/ou o cumprimento orçamentário das emendas parlamentares impositivas da pasta destinadas à contratação, sem licitação, de pessoas físicas ou jurídicas para a realização de eventos e shows em valores que superem R$ 100 mil.
O objetivo da recomendação, explica o MPSP, é permitir o aprofundamento da apuração de eventuais irregularidades na destinação desses recursos.
O inquérito tem como base relatos de que alguns membros da Câmara Municipal teriam quase duplicado o montante das emendas à cultura, que passaram de R$ 8 milhões em 2023 para R$ 14,4 milhões em 2024. Também chamaram a atenção da promotoria os valores de algumas delas.
A investigação foca nos 32 vereadores que fizeram emendas para a Cultura – Paulo Gaspar é o único fora da lista –, porém, nem todos os parlamentares apresentaram procedimentos suspeitos no último ano.
O Hora apurou que entre cinco e oito parlamentares realizaram movimentações que chamaram a atenção do MP.
Segundo o noticiado ao MPSP, vereadores indicaram recursos para contratar artistas determinados, com cachês de alto valor e com dispensa de licitação.
Teria ocorrido ainda repetição de contratações de grupos artísticos e agenciadores específicos “por valores vultosos e discrepantes do histórico de contratação, indicando possível favorecimento e desvio de recursos públicos”, de acordo com a portaria de instauração do procedimento.
O que diz a Câmara
A Câmara de Campinas informou que está à disposição do Ministério Público para esclarecimentos e confirma que já encaminhou ao MP as 90 emendas dos vereadores destinadas à Cultura no ano passado – todas elas estão disponíveis no Portal da internet da Câmara de Campinas.
“Face a manifestação da Promotoria Pública de Campinas, a Câmara Municipal de Campinas informa que as Emendas Impositivas (EIs), previstas nos termos do artigo 168 da Lei Orgânica do Município, são uma ferramenta legal utilizada pelos vereadores para destinar recursos às mais diversas áreas, em prol da população.
Vale lembrar que, segundo a legislação, o papel dos parlamentares se encerra com a apresentação das emendas e a aprovação da lei orçamentária, cuja realização é de responsabilidade da Prefeitura de Campinas. Compete aos vereadores, posteriormente, acompanhar e fiscalizar a execução”, traz a nota da Câmara.
Posições dos vereadores
Por meio de nota, o vereador Jorge Schneider informou que solicitará sua “imediata exclusão do processo” do MP, uma vez que nunca utilizou emendas impositivas para custear shows ou contratações por cachê anteriormente.
Schneider citou que apresentou emenda ao orçamento de 2024 destinada a apoio por parte da Prefeitura no que se refere à infraestrutura para realização de diversas festas culturais populares e em comemoração aos 250 anos da cidade. Porém, o parlamentar ressalta que os eventos estão na fase de concepção e planejamento, significando que a contratação ainda não ocorreu.
“Não há qualquer recomendação por parte do Vereador Jorge Schneider para que se contrate artista(s) com cachê(s) de alto valor acima de R$ 100.000,00, conforme relata o Ministério Público no pedido de apuração”, traz a nota do vereador.
O vereador Marcelo Silva também enviou nota ao Hora Campinas, em que cita que as emendas impositivas realizadas por ele na área cultural nos anos de 2023 e 2024, juntas, somam R$ 110 mil e não envolvem pagamentos de cachês a artistas. Se referem a verbas para a Marcha de Jesus (R$ 30 mil) e para recuperação do aquário do Bosque dos Jequitibás. Diz ainda que não destinou nenhuma emenda impositiva ao setor em 2022.
“Note-se que as 2 emendas não têm relação nenhuma com o objeto da investigação, que é a contratação de determinados grupos artísticos e determinados agenciadores, por valores vultuoso e discrepantes do histórico de contratações, indicando favorecimento e desvio de recurso público”, esclarece a nota.
A vereadora Mariana Conti, em nota, esclareceu sobre a destinação das emendas impositivas que realizou em 2023. O texto informa que:
“Nosso mandato destinou R$150.000 para “projetos e shows relacionados às diversidades culturais existentes no Município de Campinas. Deste montante, as execuções diretas foram todas destinadas exclusivamente para garantia de infraestrutura, como equipamentos de sons e iluminação, tendas, banheiros químicos e afins. Os serviços e empresas foram escolhidos e contratados diretamente pela Secretaria. Os eventos contemplados pelas emendas são:
1) Dia das crianças na Arena Cafezinho – realizado dia 21/10/2023, no valor aproximado de R$22.400,00
2) Lançamento do Tema 2024 do Bloco Cupinzeiro – realizado dia 14/10/2023, no valor aproximado de R$19.300,00
3) Lançamento do Tema 2024 do Bloco Afoxé Ilê Ogum – realizado no dia 14/10/2023, no valor de R$ 16.000,00
O restante dos recursos, no valor de aproximadamente R$92.300,00 foram empenhados para a execução do orçamento corrente da Secretaria de Cultura, utilizados a seu próprio critério.