O famoso dramaturgo alemão Bertolt Brecht, perseguido e exilado pelo nazismo durante a segunda guerra mundial, uma vez disse que “a cadela do fascismo está sempre no cio”. Brecht faleceu em 1956, mas sua afirmação sobre a insistência do discurso de grupos totalitários, ultranacionalistas e conservadores continua, infelizmente, muito vívida.
Recentemente, voltou a circular nos meios de comunicação a discussão sobre censura e liberdade para a criação de partidos nazistas e a defesa aberta das monstruosidades defendidas por essa corrente de pensamento no Brasil.
O rastro de violência, crueldade, covardia e mortes deixado pelo militarismo autoritário de Hitler e Mussolini parece ter sido convenientemente esquecido por alguns comunicadores e influencers (tanto os autodeclarados “liberais” quanto os “conservadores”) sob o cínico pretexto de defesa da liberdade de expressão.
Embora a existência das democracias preconize a diversidade de ideias, a pluralidade de pensamentos e a divergência de opiniões, é fundamental destacar que existem fundamentos claros para que se possa sustentar o próprio ideal civilizatório das sociedades humanas: a proteção incondicional do direito à vida e à dignidade humana é um deles.
Nesse sentido, o filósofo austro-britânico Kalr Popper, que também viveu a primeira e a segunda guerras mundiais, defendia que não se deve tolerar a intolerância, sob o risco de ver governantes tiranos serem legitimados pela suposta vontade popular.
Para os dissimulados defensores do nazi-fascismo e de totalitarismos equivalentes, o discurso da defesa irrestrita à liberdade de expressão atrai para uma armadilha inescrupulosa pessoas que, desavisadas ou mal-intencionadas, buscam uma justificativa para defender seus preconceitos e seu ódio contra pessoas e grupos étnicos, sociais e culturais que precisam lutar por espaço para viver com dignidade.
Não há simetria ou equivalência ao comparar quem busca igualdade de direitos, proteção à vida e liberdade para existirem como são, como as pessoas negras, as mulheres, pessoas com deficiência, a comunidade LGBTQIA+, imigrantes, povos originários, cidadãos e cidadãs em situação de pobreza, sem terra, sem teto; e pessoas que pervertem o significado de “liberdade” para poder defender abertamente a opressão, o massacre e o extermínio dos grupos citados antes.
A liberdade de expressão, de ser, de existir, deve ser um ideal de solidariedade, de empatia, de convivência e respeito mútuo. Nas palavras de Rosa Luxemburgo, filósofo e economista polaco-alemã, assassinada em 1919 por defender a classe trabalhadora e o comunismo, deveríamos nos unir “por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”. Nesse mundo, não cabe o ódio.
Diante da persistência do racismo estrutural no Brasil, assim como do machismo e do feminicídio, da LGBTfobia, da xenofobia, do ecocídio e massacre de povos indígenas, das políticas higienistas e da aporofobia, é inadmissível partir de uma perspectiva individualista e egocêntrica para tentar justificar a liberdade para atacar grupos vulneráveis, minoritários, minorizados ou marginalizados.
Coibir a intolerância e a violência, através da Lei, políticas públicas afirmativas e de uma educação crítico-reflexiva, não se trata de censura, mas de um posicionamento alinhado à constante e necessária defesa da cidadania e da democracia numa sociedade ainda permeada por tabus, dogmas, negacionismo, obscurantismo e intolerância.
Ao invés de tentar justificar atrocidades na disputa pelo poder, pelo dinheiro, por audiência ou popularidade, comunicadores e formadores de opinião verdadeiramente engajados com a liberdade e a democracia devem somar esforços em direção à consciência científica, humanizada e socialmente responsável, que protege vidas e destrói mitos.
Luis Felipe Valle é professor universitário, geógrafo e mestre em linguagens, mídia e artes