A Natura, o Centro de Química Medicinal (CQMED) da Unicamp e a Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial) se uniram para realizar uma pesquisa inédita sobre componentes biológicos existentes em tons de pele negra. O estudo, que deve durar dois anos e já está em andamento, contribuirá principalmente no desenvolvimento de produtos e tratamentos dermatológicos mais assertivos, inclusivos e eficientes para uma ampla gama de tonalidades de peles brasileiras.
A iniciativa permitirá o avanço do conhecimento sobre as características moleculares de toda a escala de fototipos de pele existentes, desde a tonalidade mais clara até a mais escura. A partir desse levantamento, será possível analisar e comparar múltiplas expressões e padrões genéticos e celulares presentes entre as diferentes colorações, tornando possível a compreensão mais profunda de necessidades e comportamentos específicos de suas células, como níveis de produção de colágeno e de antioxidantes endógenos – o que pode acelerar ou retardar o envelhecimento da pele – e predisposições a dermatoses.
“Apesar de mais da metade da população no Brasil se autodeclarar negra, ainda há uma grande lacuna em termos de estudos científicos mais aprofundados sobre as especificidades das peles pretas e pardas nas áreas cosmética e dermatológica. Essa pesquisa, portanto, será fundamental para mapearmos as necessidades de diversos tons de pele e, assim, desenvolver ingredientes e formulações mais adequados”, explica Juliana Lago, gerente científica da Natura.
A pesquisa também será importante para o aprimoramento de tratamentos de doenças em peles negras. “Observamos que a maioria das publicações médicas priorizam a pele clara para estudos e ilustrações de manifestações cutâneas. Isso torna o reconhecimento de enfermidades em peles mais escuras mais desafiador e lento, postergando cuidados necessários e até reduzindo chances de cura”, complementa Juliana. O câncer de pele, por exemplo, é diagnosticado em estágios avançados em pessoas negras com mais frequência que em brancas, de acordo com um levantamento da Mayo Clinic, instituição americana especializada em cuidados de saúde e pesquisa médica.
Metodologia inovadora
O estudo está sendo executado entre a Natura e as unidades da Unicamp, por meio do Instituto de Biologia, da Faculdade de Ciências Aplicadas e do CQMED. Os experimentos estão sendo feitos a partir do sequenciamento de RNA de células únicas, uma tecnologia inovadora que possibilitará a investigação do perfil molecular de cada célula presente nas amostras de pele utilizadas para o levantamento.
Essa metodologia viabiliza a identificação de informações genéticas de forma mais apurada, enquanto técnicas comumente utilizadas nas pesquisas de peles, como a análise de RNA, não permitem isolar as células para avaliação, fornecendo somente a média de características genéticas presentes em um conjunto de células.
“É importante entender o perfil de cada célula individualmente porque cada tipo celular apresenta características que são específicas”, explica Marco Vinolo, professor do Instituto de Biologia da Unicamp que trabalha nas técnicas de scRNA-seq do projeto.
“As análises dos dados obtidos permitem uma quantidade muito grande de possibilidades. O pesquisador pode iniciar a análise focado em explorar um aspecto e depois retomar a análise para explorar outros diversos detalhes possíveis”.
Além disso, toda a informação será integrada ao banco de dados global de células humanas o Human Cell Atlas, um consórcio internacional que está mapeando todos os tipos de células do corpo humano para possibilitar avanços na medicina.
O time de pesquisa e desenvolvimento da Natura conta com a expertise científica das equipes da Unicamp e com o apoio da Embrapii para a realização da pesquisa, desde a execução de experimentos até as análises de dados e informações obtidas.
“A Embrapii foi essencial para estabelecer essa parceria. Colaborações desse tipo permitem o treinamento de pessoal e recursos humanos no ambiente universitário, ao mesmo tempo que as empresas têm acesso aos conhecimentos que são produzidos na academia”, aponta Katlin Massirer, coordenadora geral do CQMED e pesquisadora do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Unicamp.